O Desertor: uma adaptação do livro que foi uma “deslealdade” à causa nazi

Nesta minissérie de dois episódios, o cineasta Florian Gallenberger adapta o romance homónimo de Siegfried Lenz, autor alemão que combateu na Segunda Guerra Mundial e desertou pouco depois da rendição dos alemães na Charneca de Luneburgo. Está disponível na RTP Play.

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São dois episódios de 90 minutos sobre duas pessoas em lados opostos da barricada que se apaixonam em plena Segunda Guerra Mundial, jovens combatentes que têm de cometer atrocidades em contexto de clara inferioridade numérica e soldados alemães que já não sabem por quem estão a lutar. Já houve séries como esta no passado e mais existirão no futuro, mas a cinematografia e o ritmo calculado de O Desertor, que a RTP2 exibiu na semana passada e que actualmente está disponível na plataforma RTP Play, permitem que este projecto do cineasta alemão Florian Gallenberger não seja “só mais um” numa longa colecção.

O protagonista desta minissérie, uma adaptação do romance homónimo de Siegfried Lenz, é Walter Proska (Jannis Niewöhner), um soldado da Wehrmacht que acha que a Segunda Guerra Mundial já está mais do que perdida, mas que regressa à frente de batalha por um sentido de camaradagem — apesar de a irmã querer que se mantenha escondido na sua fazenda, o jovem combatente não quer deixar os companheiros à mercê da sorte em Grajewo, na Polónia, onde os resistentes soviéticos estão a ganhar terreno. O jovem conhece a polaca Wanda (Malgorzata Mikolajczak) no comboio que apanha para se reencontrar com o pelotão, mas uma mina nos caminhos-de-ferro provoca um grave acidente.

Walter, que é o único sobrevivente (Wanda já saltara para fora do comboio por essa altura), acaba por ser resgatado por uma pequena unidade nazi instalada na floresta polaca. Mas essa zona está a ser rapidamente ocupada pelo exército da União Soviética — e os não mais de dez soldados alemães refugiados naquele pântano parecem ter a noção de que, mais cedo ou mais tarde, terão de se render e provavelmente serão exterminados.

A primeira parte de O Desertor é, então, uma dança lenta com uma morte que parece inevitável — e, pelo menos para Walter e Wolfgang Kürschner (o actor Sebastian Urzendowsky), com quem o personagem principal rapidamente constrói uma amizade, uma tentativa inútil de encontrar lógica ou humanidade na guerra. Há várias personalidades distintas naquela comitiva: Walter e Wolfgang questionam a integridade do ditador cuja ideologia estão a defender e têm saudades dos seus entes queridos; o cozinheiro Baffi (Bjarne Mädel) teve de adiar o sonho de ser artista circense para servir o país​; o intransigente Wilhelm (Rainer Bock), o líder do grupo, é um soldado autoritário e cínico; e Zwiczosbirski (Adam Venhaus), que perdeu o melhor amigo num desencontro com resistentes soviéticos, está a desenvolver graves distúrbios mentais na frente de batalha.

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O alemão Walter e a polaca Wanda apaixonam-se em pleno contexto de guerra DR

“Isto é o Apocalypse Now na Frente Oriental.” É assim que Christian Buss, da revista alemã Der Spiegel, resume esta minissérie, que no segundo episódio, já fora do cenário de guerra, continua a questionar o que é isso de termos uma pátria e reflecte sobre o peso histórico do passado. O romance de Siegfried Lenz só foi comercializado em 2016, dois anos depois da sua morte; o autor, que serviu na Kriegsmarine durante a Segunda Guerra Mundial e desertou pouco depois da rendição dos alemães na Charneca de Luneburgo, começou a escrever o livro logo após a guerra, mas, em 1952, a editora Hoffmann und Campe rejeitou publicar a obra por considerar que constituía uma “palpável deslealdade à pátria”.

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