Governo ignora recomendação de Marcelo para limitar ruído

O Presidente da República tinha sugerido a limitação do ruído de forma a não incomodar a população em teletrabalho. Francisco Ferreira, da Zero, lamenta ao PÚBLICO que não tenha existido receptividade por parte do Governo no decreto regulamentar divulgado este sábado

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A actual lei do ruído permite obras entre as 8h e as 20h nos dias úteis Nelson Garrido

O decreto regulamentar do próximo estado de emergência, divulgado este sábado, ignora a recomendação feita pelo Presidente da República que propunha limitar os níveis de ruído nos prédios durante o estado de emergência. Com uma fatia da população em teletrabalho e com os estudantes a cumprir o regime de ensino à distância, Marcelo Rebelo de Sousa tinha sugerido a limitação de “determinados níveis de ruído mais reduzidos em decibéis ou em certos períodos horários, nos edifícios habitacionais, de modo a não perturbar os trabalhadores em teletrabalho”. Mas o decreto do Governo traz poucas novidades em relação ao último diploma e deixa de fora esta e outras sugestões de Marcelo Rebelo de Sousa aprovadas no Parlamento na quinta-feira.

O actual Regulamento Geral do Ruído define ruído de vizinhança como todo o som associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido directamente por alguém ou por intermédio de outrem, e inclui também o barulho de animais, quando a sua duração, repetição ou intensidade afecta a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança. 

A lei estipula ainda que entre as 23h e as 7h (os vizinhos e) as autoridades policiais podem exigir o fim imediato do ruído. Já em caso de obras o cenário é diferente. Apesar de não ser necessária uma licença especial de ruído, as obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação e que sejam uma fonte de ruído apenas podem ser realizadas nos dias úteis, entre as 8h e as 20h. Mas o aumento do teletrabalho e o regresso do ensino à distância tem feito aumentar as queixas, o que levou o Presidente da República a sugerir ao Governo que tomasse alguma medida.

Ainda na quinta-feira, na conferência de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros, o primeiro-ministro já tinha evitado algumas das perguntas dos jornalistas sobre o nível de ruído, o que motivou um comunicado da Associação Zero sobre o assunto.

Ao PÚBLICO, Francisco Ferreira, presidente da Associação Zero, considera considerar “estranho” que o decreto do Governo seja omisso numa das propostas “que o Presidente da República explicitamente colocou”. O ambientalista e professor Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa afirma que o Governo “está a falhar” por “não responder” às necessidades de quem se vê obrigado a estar em teletrabalho. “Agora é um problema mais premente, mas no futuro vai continuar a ser uma preocupação com o aumento do teletrabalho em casa”, assinalou.

Francisco Ferreira nota que a Associação Zero deu algumas sugestões “muito concretas” ― que incluem a limitação de todas as obras não urgentes a um período máximo de 4 horas por dia, repartido entre as 8h e as 20h, nos dias úteis ―, mas apela ao “bom-senso” das empresas que estejam próximas ou em zonas residenciais.  Sublinhando que “a qualidade de isolamento acústico dos prédios é diminuta”, o ambientalista pede um “maior cuidado”, mas também uma “maior fiscalização das autoridades”, que ainda, diz, “é muito diminuta”. Para Francisco Ferreira, “poder fazer obras das 8h às 20h merece ser limitado para poder ser um factor de perturbação menor”.

A Associação Zero defende ainda que durante este período de emergência as autoridades policiais deveriam ter o poder de “em qualquer altura ordenar ao produtor de ruído de vizinhança a cessação imediata da incomodidade”, o que actualmente só está previsto entre as 23h e as 7h.

Na perspectiva de Francisco Ferreira, estas sugestões são “perfeitamente atendíveis” e por isso lamenta que não tenha existido receptividade por parte do Governo. “Devia ser o Governo como um todo a responder a esta questão. O primeiro-ministro evitou responder [às perguntas dos jornalistas] e agora no decreto fica óbvio. Só podemos lamentar que o Governo não tenha atendido a este aspecto, que nos parece pertinente”, concluiu.

​O decreto do próximo estado de emergência foi aprovado com os votos a favor do PS, PSD, CDS, PAN e da deputada não-inscrita Cristina Rodrigues. Já o PCP, PEV, IL, Chega e a deputada Joacine Katar Moreira repetiram o voto contra. O BE voltou a abster-se.

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