Voto na direita radical: protesto ou simpatia?

Não é, de todo, descabido pensar que muitos dos que optam votar pelo Chega se reveem genuinamente nos ataques de André Ventura, a “subsídio-dependentes”, ciganos ou delinquentes.

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Nuno Ferreira Santos

Embora não tenha alcançado o tão almejado segundo lugar, os quase meio milhão de votos conseguido por André Ventura são a confirmação do rápido ascender da direita radical populista em Portugal. Na ausência de dados sólidos acerca do perfil sociológico por detrás destes votos, as teses explicativas multiplicam-se.

Entre as explicações mais credíveis, está o chamado “voto de protesto” ou antissistema, isto é, o eleitorado descontente ou desiludido com a classe política que simpatiza com as teses de café repetidamente proferidas por Ventura. Para uma parte deste eleitorado, o estilo combativo e “politicamente incorreto” de Ventura é menos uma óbvia tática populista e mais um sinónimo de rutura ou de alguém que diz “as verdades”. Entre estas, está a de que a corrupção é um mal altamente difundido entre a classe política e a de que o “regime precisa de limpeza”, para usar as palavras do próprio.

Ora, sabendo que uma esmagadora maioria dos portugueses é altamente descrente em relação à classe política e ao funcionamento das instituições, esta parece ser efetivamente a tese mais sólida para explicar o apoio a Ventura. Recentes inquéritos de opinião mostram que Portugal está no topo dos países da UE no que toca tanto a perceções de corrupção como intolerância face à prática. Independentemente do peso concreto desta questão no voto, estes dados deveriam em si ser suficientes para alertar partidos e instituições para a necessidade de maior transparência, coragem, e investimento no combate à corrupção.

Dito isto, e tendo em conta a já longa experiência de vários países com partidos da família política do Chega e os estudos entretanto realizados, a tese do “voto de protesto”, apesar de válida, não é suficiente para entender o voto na direita radical. Para isto, basta pensar que o número de insatisfeitos em Portugal é muito superior ao número de votos obtido pelo Chega. Na realidade, há bastante evidência que os partidos de direita radical populista não são meramente veículos de protesto, mas atraem votantes programaticamente alinhados com o partido, ou seja, que comungam das suas ideias ou, pelo menos, daquelas que consideram mais importantes na hora de votar.

Não é, de todo, descabido pensar que muitos dos que optam votar pelo Chega se reveem genuinamente nos ataques de André Ventura, a “subsídio-dependentes”, ciganos ou delinquentes. Excluindo os elementos xenófobos e o estilo “politicamente incorreto”, o Chega não é mais do que uma radicalização da direita, isto é, um partido ultraconservador nos costumes e ultraliberal na economia. Não é de admirar, portanto, que roube mais votos à direita do que à esquerda.

Isto não significa, contudo, que o eleitorado do Chega seja ideologicamente sofisticado.

É possível que muitos tenham encontrado em Ventura apenas um messias. Mas não deixa de ser um messias com uma agenda política. Mesmo que bastante mais clara nuns pontos do que noutros, o votante do Chega estará certamente ciente que, entre as preocupações centrais do partido, está o crime, as minorias, e a chamada “subsidiodependência” (isto é, o apoio do Estado aos mais pobres).

Cas Mudde, especialista no tema, alerta desde há muito que o voto na direita radical não deve ser interpretado como uma patologia, mas como uma normalidade. Basta recorrer a inquéritos de opinião em temas como crime ou imigração para perceber que uma parte substancial da opinião pública tem uma visão semelhante à de Ventura. Isto não significa que essas opiniões não devam ser combatidas com factos e argumentos sólidos. Mas ao passo que as opiniões são difíceis de mudar, a sua importância na hora de ir votar varia muito mais e depende em grande parte da agenda mediática e política. De futuro, o maior favor que podem fazer ao Chega é deixar que essa agenda fique refém dos seus temas.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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