Google avança com solução para eliminar cookies. O plano é “esconder indivíduos na multidão”

A solução da Google chega em resposta ao aumento da preocupação das consumidores sobre a privacidade online e aquilo que as marcas sabem sobre as suas preferências. Mas algumas organizações levantam preocupações.

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A Google quer deixar de usar cookies de terceiros até 2022 Reuters/CHARLES PLATIAU

A Google diz que está mais perto de encontrar uma alternativa para os cookies de terceiros — uma das ferramentas mais utilizadas na Internet para registar o comportamento online dos utilizadores e apresentar anúncios personalizados. A missão da empresa começou em 2019 com a criação da Privacy Sanbox, uma iniciativa para procurar uma solução para proteger a privacidade dos consumidores, e deixar de usar cookies até 2022, sem dar prejuízo às marcas. 

“As práticas actuais têm de evoluir para garantir que asseguramos a confiança dos utilizadores”, justificou Chetna Bindra, uma das responsáveis pelo departamento de Privacidade e Confiança do utilizador da Google num comunicado da empresa.

Desde os anos 1990 que os cookies são uma das ferramentas mais utilizadas para obter informação dos internautas: os pequenos ficheiros de texto armazenam informações básicas sobre os utilizadores (por exemplo o idioma preferido e localização) que ajudam os gestores dos sites a perceber quem é que usa os seus serviços para melhorar a experiência do utilizador e o desempenho do site. O PÚBLICO, por exemplo, utiliza cookies para guardar as preferências dos leitores — muitos cookies não têm qualquer relação com publicidade.

Só que os cookies de terceiros (também conhecidos por rastreadores) que estão presentes nos anúncios que as marcas compram online e que a Google quer eliminar podem aceder aos hábitos de pesquisa dos utilizadores. E muitas vezes essa informação fica guardada em servidores, levantando dúvidas sobre privacidade.

Esconder pessoas na multidão

A solução da Google chama-se FLoC (sigla inglesa para Federated Learning of Cohorts, que alude a um bando de aves ou a um rebanho) e aglomera pessoas online em grupos com base em hábitos de pesquisa semelhantes. Isto significa que os anunciantes têm acesso a “identificadores de grupo” (por exemplo: pessoas que gostam de culinária e fado) em vez de informação especifica sobre o utilizador. 

“Esta abordagem esconde eficazmente indivíduos ‘na multidão’ e processa [os dados] no próprio dispositivo para manter o histórico de navegação privado de alguém no utilizador”, justifica Bindra. “Com as nossas propostas os anunciantes continuam a chegar aos utilizadores sem que a informação [das pessoas] seja tão facilmente partilhada como é hoje.”

A Privacy Sandbox também inclui propostas de como as marcas podem criar e cultivar os seus próprios públicos, sem cookies de terceiros. A Fledge, por exemplo, propõe a criação de “servidores seguros” para guardar informação das ofertas e orçamentos das marcas.

Dúvidas sobre objectivos

A iniciativa da Google é vista com algum cepticismo por reguladores e organizações a favor da privacidade. Este mês, por exemplo, a Competition and Markets Authority (CMA) — autoridade de concorrência do Reino Unido — abriu uma investigação às novas ferramentas da Google.

A CMA está preocupada que a eliminação de cookies de terceiros da Google (que tem data marcada para 2022) possa afectar a competição online ao obrigar os anunciantes a utilizar as novas ferramentas da Google, aumentando o monopólio da empresa.

Já a Electronic Frontier Foundation, uma organização sem fins lucrativos dedicada a proteger a privacidade no meio digital, teme que os novos “grupos” da Google possam permitir que anunciantes com preconceitos identifiquem e filtrem grupos com populações vulneráveis. 

“[Criar bandos] é como dar uma pontuação sobre o comportamento: uma tatuagem na testa digital das pessoas que resume quem são, do que goste, onde vão, o que compram, e com quem se dão”, criticou Bennet Cyphers num comunicado da EFF sobre o tema. “A Google continua a pensar em ideias para oferecer anúncios personalizados num mundo pós-anúncios de terceiros” acrescentou Cyphers lembrando que empresas como a Apple e a Mozilla (donas dos navegadores Safari e Firefox, respectivamente) têm removido cookies de terceiros dos seus navegadores.

Em resposta ao PÚBLICO, a equipa da Google nota que a solução FLoC é capaz de avaliar se um grupo de pessoas é sensível “sem aprender porque é sensível”. “Grupos que revelem categorias sensíveis como raça, sexualidade, ou dificuldades pessoais serão bloqueados ou terão o algoritmo reconfigurado para reduzir a co-relação”, explica um porta-voz da Google. “Além disso,é contra as nossas políticas mostrar anúncios personalizados sobre estas categorias sensíveis.”

Sobre a investigação da CMA, a Google nota que o envolvimento da autoridade britância “é bem vinda” visto que a Privacy Sandbox é uma “iniciativa aberta” que beneficia de ideias enquanto a Google desenvolve novas propostas para uma “internet saudável, suportada por anúncios, sem cookies de terceiros”.

Num comunicado, Chetna Bindra reforça que o objectivo das propostas da Google é “ajudar os anunciantes a ter sucesso enquanto se mantém a privacidade das pessoas.”

A nova solução da Google — a FLoC — vai começar a ser testada em Março. Se correr bem deve estar disponível para os utilizadores no segundo trimestre de 2021.

Editado: Acrescentada resposta da Google sobre as críticas da EFF.

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