Deixem os bebés em paz, o binarismo é antinatural

O que é ser menino ou menina? Já poucos diriam que uns se vestem de azul e outros de rosa, que uns jogam futebol e outros fazem ballet. Mas os estereótipos resistem e o binarismo sexual e de género parece ser o último reduto, a linha vermelha daqueles que não querem deixar morrer uma visão da sociedade a zeros e uns.

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Nynne Schroder/Unsplash

Na passada semana foram amplamente partilhados dois artigos que noticiavam e comentavam um texto publicado na revista New England Journal of Medicine. O texto propunha que o sexo deixasse de constar de cópias certificadas das certidões de nascimento e que fosse publicado apenas de forma agregada. Isto seria não para poupar ofensas às pessoas transgénero – como afirmado nos referidos artigos –, mas sim para, inter alia, remover um factor de discriminação que pode impedir o acesso a instalações prisionais adequadas, a seguros ou mesmo ao direito de voto, nos Estados Unidos.

O artigo confunde sexo, género e orientação sexual quando afirma, por exemplo, que “o sexo é determinado pela nossa biologia, o género pelas nossas preferências sexuais”. Esta confusão impede o debate sério e aprofundado sobre temas centrais nos quais assentam profundas desigualdades da nossa sociedade.

Sexo não é género e intersexo não é transgénero, que por sua vez não é orientação sexual.

Sexo, além de imaginação, fantasia e poesia, nas palavras da Rita Lee, é, nas palavras da Organização Mundial de Saúde, o conjunto de diferentes características biológicas e fisiológicas de mulheres, homens e pessoas intersexo, tais como cromossomas, hormonas e órgãos reprodutivos. Nas pessoas intersexo, algumas destas características não encaixam no binário masculino ou feminino.

Quando falamos de género, esclarece a Organização Mundial de Saúde, falamos do conjunto de normas, comportamentos e papéis associados a ser mulher, homem, rapariga ou rapaz, bem como as relações entre si. Já a expressão transgénero descreve pessoas que se identificam com um determinado género que não corresponde à sua fisiologia ou ao sexo designado à nascença.

E, ao largo de tudo isto, temos ainda a orientação sexual, que designa as pessoas pelas quais sentimos atracção. Poesia, não é?

Judith Butler termina o Problemas de Género, inicialmente publicado em 1990, com uma pergunta: que outras estratégias locais para confrontar o “antinatural” poderiam levar à desnaturalização do género enquanto tal?

Ora, uma das bandeiras erguidas contra construções sociais da noção de género são as referências: como podemos crescer saudáveis sem referências (binárias), preocupam-se os defensores do binarismo? E se imaginássemos um mundo onde essas referências fossem o amor, a tolerância, a empatia, a liberdade? Parece terrível, não é? E alguém me explica qual o papel do binarismo nestas referências?

A visão essencialista, segundo a qual o género é determinado pela biologia, aliada a uma concepção binária, não oferece respostas satisfatórias. A natureza produz diferentes combinações de características masculinas ou femininas e as experiências internas e individuais de género de cada pessoa podem ou não corresponder às suas características biológicas e fisiológicas.

Sem aceitar esta diversidade e valorizar a liberdade informada de escolha, sectores como a saúde, a educação ou a habitação manter-se-ão presos a uma visão redutora do mundo e da humanidade.

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