Testes para VIH e hepatites baixaram para menos de metade por causa da pandemia

O “declínio acentuado” nos testes de detecção do VIH, hepatites e outras doenças sexualmente transmissíveis durante os piores meses da pandemia é comum a vários países europeus. E justifica a preocupação dos especialistas quanto ao agravamento dos diagnósticos tardios.

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O encerramento dos serviços explicará por que é que menos pessoas foram testadas para o VIH e outras doenças sexualmente transmissíveis Rui Gaudêncio (arquivo)

Entre Março e Agosto deste ano, os testes para detecção de VIH, hepatites virais e infecções sexualmente transmissíveis sofreram um “declínio acentuado” em 34 países europeus, nomeadamente em Portugal. O mundo estava então paralisado pela pandemia provocada pelo SARS-CoV-2, o que levou ao encerramento de muitos serviços de saúde, mas, conforme alertou ao PÚBLICO Daniel Simões, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), os comportamentos de risco não foram necessariamente refreados pelo medo. “As pessoas que usam drogas terão, à partida, continuado a usá-las”, exemplificou, sustentando assim a conclusão mais preocupante do estudo: os diagnósticos tardios de doenças como o VIH, hepatites virais e infecções sexualmente transmissíveis irão, muito provavelmente, aumentar.

“Os diagnósticos tardios têm consequências para as pessoas quer na sua saúde individual, quer do ponto de vista da saúde pública, porque se a pessoa não sabe que vive com a infecção não vai procurar tratamento e pode transmitir a infecção a outros”, sublinha Daniel Simões, da unidade de investigação em epidemiologia do ISPUP e primeiro autor deste estudo que se baseou em inquéritos online.

Dos 98 inquiridos, membros de organizações não governamentais e de base comunitária com experiência em testagem para pelo menos uma das infecções em análise, onde se incluem a clamídia, a gonorreia e a sífilis, 95% responderam ter realizado menos testes para todas as doenças nos primeiros três meses da pandemia, por comparação com 2019. Daqueles, e reportando-se ao período entre Março e Maio, 69% indicaram uma redução de mais de 50% no volume de testes realizados, num decréscimo que se atenuou ligeiramente nos meses subsequentes.

Quanto à questão de saber se esta diminuição dos testes se deveu ao encerramento dos serviços onde os mesmos podem ser realizados ou se decorreu de uma diminuição dos comportamentos de risco, a resposta não é clara. “Muitos destes serviços estiveram fechados ou a trabalhar com equipas reduzidas, mas não medimos os comportamentos de risco”, justifica Daniel Simões, lembrando embora que, pelo menos no caso da população toxicodependente, não é expectável pretender-se que o consumo tenha estagnado durante aquele período.

E, considerando que mesmo antes da pandemia os diagnósticos tardios constituíam já uma das preocupações centrais dos especialistas, a questão está agora em saber como é que se pode impedir que as infecções pela covid-19, que continuam a sobrecarregar os serviços de saúde, continuem a afectar a resposta àquelas outras infecções. “Os progressos alcançados nas últimas décadas, no sentido de diminuir o intervalo entre o momento da infecção e o momento da testagem, podem estar aqui em risco”, alerta o investigador.

A preocupação não é inédita. No início deste mês, o relatório da Direcção-Geral da Saúde e do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge para a infecção VIH/sida alertava já para o risco de os novos diagnósticos estarem comprometidos por causa dos constrangimentos decorrentes da pandemia, quer ao nível dos rastreios e das consultas, quer por causa da interrupção dos materiais preventivos e informativos. Os autores do relatório apelavam por isso ao alargamento da disponibilização dos auto-testes para o VIH a mais farmácias. “Além da venda de balcão nas farmácias, dever-se-ia reforçar o número de locais onde as pessoas podem fazer o teste rápido, bem como os programas de distribuição gratuita [destes testes] focados em grupos-chave”, acrescenta o investigador do ISPUP.

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