O pico da covid-19 passou, o Rt está abaixo de 1. “Boas notícias” ao fim de várias semanas

Portugal estará também perto do pico de internamentos e o de óbitos deve surgir nas próximas semanas, dizem especialistas ouvidos na reunião sobre a situação epidemiológica na sede do Infarmed.

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A capacidade de não aligeirarmos demasiado as medidas em vigor vai influenciar a evolução das próximas semanas Adriano Miranda

Já há algum tempo que o termo “boas notícias” não aparecia associado à evolução da covid-19 em Portugal, mas o termo foi repetido várias vezes na apresentação da situação epidemiológica do país, esta quinta-feira, na sede do Infarmed, em Lisboa. O pico da segunda vaga já passou (e chegou mais cedo do que o previsto), o indicador de transmissibilidade (Rt) está abaixo de 1, e a tendência na região Norte do país, que tinha o quadro mais complicado, é de clara descida ou abrandamento de crescimento no número de casos. 

“Boas notícias: o pico chegou mais cedo, entre 18 e 21 de Novembro”, disse o epidemiologista e consultor da Direcção-Geral de Saúde (DGS) Manuel Carmo Gomes no arranque da sua apresentação. Uma contabilidade feita com base nos primeiros sintomas apresentados por infectados com a doença, já que se se olhar para o número de notificações, ele terá ocorrido um pouco mais tarde, por volta de 25 de Novembro, conforme indicara, na intervenção de abertura da reunião, o médico de saúde pública da DGS André Peralta dos Santos.

Recorrendo também ao termo “boas notícias”, o médico disse esperar que a tendência de descida a que o país tem assistido “seja consolidada nos próximos dias”, mas deixou um aviso: ainda não há um pico claro de internamentos e o pico da mortalidade só deve acontecer depois disso. “Parece esboçar-se o pico da taxa de mortalidade, mas seria de esperar que ele ocorresse depois do pico das hospitalizações, pelo que devemos interpretar os dados com alguma cautela e esperarmos pela evolução dos próximos dias”, disse. 

A análise de Manuel do Carmo Gomes a esta questão foi no mesmo sentido. Se nesta quinta-feira Portugal tinha chegado às 4724 mortes por covid-19 (79 das quais nas últimas 24 horas, período em que surgiram 3772 novos casos), a projecção da equipa que coordena é que cheguemos ao final do ano com um valor total de “6000 a 6500 óbitos associados à covid-19”, com o pico de mortes no fim do mês, ainda que “com alguma incerteza”, e uma média de “76 óbitos diários”.

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A melhoria da situação epidemiológica é visível também no indicador Rt, que mede a transmissibilidade e que tem estado, consistentemente, nas duas últimas semanas, com uma média abaixo de 1, explicou Baltazar Nunes, coordenador da Unidade de Investigação Epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa). “A transmissibilidade iniciou um processo de decréscimo perto do início do estado de calamidade”, disse, acrescentando que esse decréscimo aconteceu “de forma mais sustentada desde meados do mês de Outubro até agora”, estando a média dos últimos cinco dias em 0,99.

A evolução não é, contudo, idêntica para todas as regiões do país, com o Norte — onde a incidência de casos foi muito maior nesta vaga da doença — a apresentar um Rt nos 0,96, enquanto a região de Lisboa e do Vale do Tejo está a rondar o 1, as restantes regiões do país com valores ainda acima de 1 e algumas, como o Alentejo ou os Açores, com um ligeiro crescimento.

E nem sequer é igual em toda a região Norte, como frisou o matemático Óscar Felgueiras, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, numa intervenção por videoconferência. Aí, disse, a incidência de casos terá sido “sete vezes a que tinha sido registada no pico da primeira fase” e o pico, olhando para o início dos sintomas reportados, terá sido atingido “ente 29 de Outubro e 4 de Novembro”, disse. “É por esta altura que há uma clara queda da tendência de subida, passa-se uma semana e meia de estabilização e depois começa a descida”, reportou.

Neste momento, todos os distritos do Norte estão com uma tendência decrescente de casos, com excepção de Vila Real. “Está a registar uma subida, com incidência um pouco abaixo da região Norte, mas houve cinco lares em Chaves com muitos casos em idosos, o que dá um salto muito grande. É o único distrito [da região] com tendência diferente, ainda a subir”, explicou.

Com os dados actuais a permitirem algum suspirar de alívio, Manuel Carmo Gomes trouxe mais uma notícia optimista, ao dar conta que também “estamos próximos” do pico de internamentos em unidade de cuidados intensivos (UCI), onde a ocupação a 1 de Dezembro era maioritariamente de doentes entre os 60 e 69 anos (34%) e dos 70 aos 79 anos (32%). Em enfermaria as pessoas com mais de 80 anos representavam 41% dos internados, enquanto a faixa etária entre os 70 e 79 ocupava 24% das camas. Já em relação ao tempo de internamento, Carmo Gomes afirmou que a faixa etária entre os 70 e os 79 anos é a que fica mais tempo internada, logo a seguir à de 60 a 69 anos. “Evidentemente que este ponto é um dos muitos que influenciam as decisões em termos de prioridades em vacinação”, afirmou.

A encerrar a apresentação sobre a situação epidemiológica, coube também a Manuel Carmo Gomes pôr alguma água na fervura do tom optimista da manhã. A forma como tudo vai evoluir depende muito da nossa capacidade de conter o número de casos diários, avisou, e isso depende também da nossa capacidade de não relaxarmos demasiado as medidas com que estamos a conviver: “Se não mantivermos esta disciplina, corremos o risco de acontecer o aconteceu na Holanda ou na República Checa. A Holanda chegou aos 10 mil casos por dia, confinou, a seguir aliviou e já estão nos cinco ou seis mil casos. A República Checa quase não teve primeira onde e depois teve uma segunda onda violentíssima, com 15 mil casos por dia, desconfinaram e aparentam estar num plateau dos cinco mil casos. É um aviso para nós. Como tínhamos visto na última reunião, logo que aliviámos a mola, a mola volta a subir, e provavelmente vai ser assim até conseguirmos vacinar uma parte significativa da população.”

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