Os mais velhos entraram nos ensaios das vacinas — mas falta saber-se os resultados

A Pfizer e a Moderna vangloriam-se da variedade das pessoas que estão a testar as suas vacinas para a covid-19, enquanto a AstraZeneca tem uma estratégia confusa.

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Vacina a ser manuseada em laboratório LUSA/WU HONG

Algumas das vacinas desenvolvidas em tempo recorde contra a covid-19 estão a ser testadas em subgrupos populacionais, e em especial em idosos – aquele onde o novo coronavírus causa mais mortos. Mas não há ainda dados que nos permitam dizer como se comportam, em específico, nestes grupos. Isto porque os resultados não foram tornados públicos.

Das três vacinas contra a covid-19 mais avançadas, a da norte-americana Moderna já foi alvo de um pedido de autorização para comercialização de urgência à Agência Europeia do Medicamento (EMA) e, se tiver feito o pedido em termos semelhantes ao que fez nos Estados Unidos, deverá ter adiantado dados de ensaios clínicos com milhares de voluntários com idades superiores a 65 anos — como afirma num comunicado de imprensa divulgado nos últimos dias.

Estas diferenças nos subgrupos populacionais testados nos ensaios de medicamentos são importantes. Veja-se um dos mistérios da semana, que tem sido porque é que a vacina da covid-19 da AstraZeneca e da Universidade de Oxford parece ter funcionado melhor nos voluntários que tomaram inicialmente uma meia dose e depois uma segunda dose completa de reforço. Nas 2700 pessoas que tomaram meia dose por erro, a vacina teve uma eficácia de 90%; nas 8900 que tomaram doses completas, a eficácia foi apenas de 62%.

Mas as brumas começam a desvanecer-se se soubermos que as pessoas que foram medicadas com a meia dose inicial eram mais jovens do que aquelas que receberam as duas doses completas.

Embora essa informação não constasse nos confusos comunicados de imprensa que anunciaram os pré-resultados desta vacina britânica, ela foi noticiada pela Bloomberg, citando Moncef Slaoui, que lidera a Operação Warp Speed, uma parceria público-privada iniciada pelo Governo dos Estados Unidos para facilitar e acelerar o desenvolvimento, produção e distribuição de vacinas, medicamentos e testes para a covid-19. E é uma demonstração de que factores como a idade, outras doenças (comorbilidades) ou o género podem ter uma grande influência na eficácia — ou nos efeitos secundários e adversos — de um medicamento.

É também uma demonstração dos riscos de comunicar avanços científicos que não foram analisados previamente por outros cientistas independentes, como acontece quando os resultados saem em revistas científicas com avaliação pelos pares pode-se fazer os dados falar, dizendo só o que interessa que eles digam, calando o que não interessa. “Uma eficácia de 90% é impressionante, de 62% não é, embora claro que é muito melhor do que não ter vacina nenhuma”, comentou Hildegund Ertl, cientista especialista em vacinas do Instituto Wistar, nos Estados Unidos, em declarações à publicação especializada Chemical & Engineering News.

Essa meia dose foi administrada por erro, e os ensaios clínicos a decorrer no Brasil e no Reino Unido modificados, para testar se o que aconteceu ali por acaso poderia acontecer mais vezes. Mas os ensaios clínicos da vacina da Universidade de Oxford e da farmacêutica AstraZeneca não tinham inicialmente participantes com idades superiores a 55 anos.

Só que no ensaio da AstraZeneca nos Estados Unidos, o protocolo inicial teve de ser modificado, porque a Food and Drug Administration (FDA), a agência que regula o mercado dos medicamentos e dos alimentos, pediu que fosse aberto a voluntários para além da idade-limite de idade de 55 anos. 

No entanto, num artigo publicado na semana passada na revista médica The Lancet, uma equipa da Universidade de Oxford-AstraZeneca apresentou resultados da fase 2 do ensaio da vacina (portanto, numa fase ainda mais atrasada), feito com pessoas mais velhas no Reino Unido, concluindo que produzia “uma resposta imunitária robusta” em pessoas com mais de 56 anos, aquelas que correm mais riscos de desenvolver uma forma grave de covid-19. É difícil compreender, no entanto, como é que estes dados contribuem para o resultado anunciado uma semana depois no comunicado de imprensa. Esta semana, quando a AstraZeneca noticiou a eficácia da sua vacina, apenas mencionou que foi testada em pessoas “com mais de 18 anos.” 

Diversificar idades e etnias

Quanto à Moderna, e também a Pfizer-BioNTech, que estão mais avançadas no desenvolvimento de vacinas para a covid-19 — e usam uma tecnologia diferente da da AstraZeneca , incluíram nos seus ensaios clínicos voluntários de idade mais avançada, e fazem questão de o dizer.

Apesar de não terem publicado os seus resultados ainda num artigo científico, sujeitando-os à avaliação de outros cientistas, e de os terem apenas comunicado ao público através de comunicados de imprensa, fazem questão de divulgar o seu investimento na escolha de um leque diversificado de participantes nos ensaios clínicos.

O comunicado de imprensa de 20 de Novembro da Pfizer, que anuncia ter pedido autorização à FDA para comercialização de emergência da vacina desenvolvida pela empresa de biotecnologia alemã BioNtech, com quem tem uma parceria, e que garante ter uma eficácia de 95%, realça que foram apresentados dados que mostram a segurança da vacina também em “cerca de 100 crianças com 12-15 anos”.

Além disso, “aproximadamente 42% dos participantes globais e 30% dos participantes norte-americanos na fase 3 do estudo têm origens raciais e étnicas diversas e 41% dos participantes e 45% dos participantes dos EUA têm 56-85 anos”, afirma o comunicado.

a Moderna assegura que “mais de 7000 americanos com idades superiores a 65 anos” foram incluídos no ensaio clínico da sua vacina, bem como 5000 americanos abaixo dessa idade mas que têm doenças crónicas que os fazem correr um risco maior de sofrer de formas graves da covid-19: diabetes, obesidade grave e doenças cardíacas. “Estes grupos de alto risco representam 42% do total de participantes na fase 3 do estudo”, assegura a empresa, em comunicado de imprensa. A Agência Europeia do Medicamento está avaliar o pedido de comercialização de emergência na UE, e esta semana a Comissão Europeia autorizou a compra de 80 milhões de doses da vacina da Moderna — se for aprovada pela EMA.

Foram ainda incluídas “comunidades que historicamente têm sido pouco representadas na investigação clínica e afectadas de forma desproporcional pela covid-19”: 6000 participantes no ensaio clínico identificam-se como latinos e 3000 como negros ou afro-americanos.

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