Carta aberta ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

Podem os pareceres jurídicos recomendar que os investigadores não façam parte dos cadernos eleitorais das universidades, mas não pode o Ministério da Ciência compactuar com um modo de funcionamento revelador de défice democrático nas instituições de ensino superior e investigação científica que tutela.

Ex.mo senhor ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,

Escrevemos esta carta aberta para manifestar o nosso profundo descontentamento com o modo como numerosos investigadores e investigadoras têm vindo a ser afastados da participação na vida académica das universidades e a ser alvo de exclusão dos processos eleitorais dessas instituições. Recorrendo a interpretações jurídicas que contrariam flagrantemente os princípios de funcionamento democrático das instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (STCN), muitos dos responsáveis por estas instituições parecem empenhados em excluir inúmeros investigadores e investigadoras, negando-lhes uma participação ativa nos órgãos que deveriam ser expressão do interesse comum das instituições que governam.

Sabemos que V. Exª defende um ambiente de investigação inclusivo e colaborativo, pensamos, por isso mesmo, que não será insensível a manifestações de desrespeito por direitos elementares como o de votar e de poder ser eleito. As alegações jurídicas que têm sido apresentadas para o impedimento na participação nos processos eleitorais, tornam claro, na verdade, um inaceitável e preocupante défice democrático, corrosivo das instituições de ensino superior e de investigação, exigindo, por este motivo, a sua maior atenção.

Exemplo concreto do que afirmamos, mas que pode ser estendido a outras instituições de ensino superior e investigação que criaram no seu seio unidades de investigação que são instituições privadas sem fins lucrativos (situação que corresponde a grande parte dos centros de investigação existentes em Portugal), pode ser observado no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa (IST-ULisboa), mais precisamente na IST-ID (Associação do Instituto Superior Técnico para a Investigação e Desenvolvimento). Esta associação tem a gestão de quase todas as unidades de investigação próprias do IST-ULisboa, usa o nome desta instituição, encontra-se albergada nas suas instalações, contribui com os resultados da sua investigação científica para a sua avaliação e para os seus rankings, porém, aos seus investigadores não é reconhecido o direito de participar nos processos eleitorais do IST-ULisboa.

Tenha-se presente que os frutos do trabalho dos investigadores afetos à IST-ID são reconhecidos pelo IST-ULisboa como seus. Basta ver o modo como a referência ao IST-ULisboa surge sempre que os investigadores com vínculo ao IST-ID são destacados ou premiados. Haverá aqui um sentido de cooperação e vantagem mútua que julgamos corresponder ao entendimento da necessidade de articulação entre unidades de investigação e de ensino. Todavia, quando consideramos esta cooperação ao nível do direito de participação nos órgãos da universidade, a realidade com que nos confrontamos é o oposto, sendo muitos dos investigadores tratados como corpos estranhos às universidades que os acolhem.

Pesam os sentimentos de exclusão, mas também os de injustiça, pois é possível observar que na mesma universidade investigadores e investigadoras com o mesmo tipo de contrato podem ou não ter o direito de votar reconhecido, consoante a unidade de investigação específica em que se encontrem. Familiarizados que estamos com a precariedade, esta não é uma situação nova para muitos de nós. Não aceitamos, porém, a normalização da injustiça nem a banalização da exclusão, sendo nossa convicção que V. Exª nos acompanha neste sentimento, uma vez que os valores da integração e da participação não podem deixar de fazer parte do seu entendimento do que deve ser a atividade científica.

Saberá V. Exª, pois isso mesmo já lhe fizemos sentir, que não estamos satisfeitos com o modo como tem crescido o STCN. Sem um financiamento estável, não contando com estruturas sólidas de acolhimento ou com quadro de pessoal com investigadores de carreira em número suficiente, as unidades de investigação têm vivido do trabalho científico desempenhado por eternos precários. Sabemos nós e sabe V. Exª que esta é a questão mais substantiva, da qual todas as outras são subsidiárias, e para a qual continua a não existir resposta. Sabermos todos nós que esta é a situação, torna-se ainda mais inaceitável que se junte à precariedade de trabalhadores descartáveis, recrutados ao projeto, à tarefa ou à peça, o estigma de uma diferenciação em nada justificável. O direito de participar deveria decorrer da evidência de fazer parte, e deveria traduzir-se no direito de discutir ideias e políticas, de poder eleger e ser eleito, sem subterfúgios jurídicos para exclusões.

Podem os pareceres jurídicos recomendar que os investigadores não façam parte dos cadernos eleitorais das universidades, mas não pode o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior compactuar com um modo de funcionamento revelador de défice democrático nas instituições de ensino superior e investigação científica que tutela. Solicitamos, pois, um posicionamento político sobre este assunto, de forma a alterar a atual situação e a ser sinal de promoção da participação dos investigadores na vida académica.

As autoras escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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