A sua cidade deixa-o dormir? Cidadãos convidados a medir o ruído que os rodeia

Associação ambientalista Zero lança campanha de ciência-cidadã para caracterizar o nível de poluição sonora com que os portugueses convivem.

Foto
Paulo Pimenta

Se é daqueles que convive mal com os ruídos nocturnos que lhe perturbam o descanso, ou com o barulho que, de dia, lhe atrapalha o tele-trabalho, o novo projecto de ciência cidadã lançado pela Zero, com apoio do Fundo Ambiental, talvez lhe interesse. Esta associação ambientalista quer pôr-nos a usar os telemóveis da geração mais recente para fazer um mapa da poluição sonora que afecta os portugueses e, já agora, mostrar-nos alguns paraísos a salvo deste problema que causa perturbações do sono a 20% dos portugueses.

Nem por coincidência, no momento em que esta notícia é escrita alguém exibe a potência sonora da sua mota a toda a vizinhança. De dia, nesta fase de confinamento, notou-se bem, imagine o leitor à noite, quando, num ambiente urbano ainda mais pacato, o mesmo motard decide fazer da rua a câmara de eco do seu bólide. Um pouco por todo o país, por causa de aviões ou camiões, automóveis, motas ou outras fontes de ruído, gera-se uma poluição invisível mas audível e com efeitos estudados na qualidade de vida.

“O ruído ambiente é um problema à escala mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) constitui a segunda maior causa ambiental de problemas de saúde, logo a seguir ao impacto da poluição do ar”, lembra a Zero na nota de lançamento do MobilizAR, Um projecto financiado no âmbito da Estratégia Nacional de Educação Ambiental que tem como principal objectivo contribuir para “uma maior informação, sensibilização e capacitação dos cidadãos a agirem sobre os problemas ambientais locais, nomeadamente a qualidade do ar, o ruído e a mobilidade”. 

Mapeamento online

Comecemos pelo ruído, então. Na internet, a Zero montou um site, o mobilizar.pt, onde nos explicam como descarregar duas aplicações (para telemóveis Android e IOS, da Apple), que nos podem ajudar a monitorizar o ruído ambiente do local onde vivemos, trabalhamos, ou estudamos. Francisco Ferreira, líder da associação e docente universitário com especialização nesta área, promete que vão responder a todos os contributos que lhes forem enviados por e-mail, e que estes integrarão um mapa de ruído ambiente o mais abrangente possível. O retrato sonoro dependerá, apenas, do grau de participação. 

Já em relação à qualidade do ar e à mobilidade, o projecto assenta numa estratégia de comunicação. Já há sensores para usar com um vulgar telemóvel, e medir alguns poluentes, mas ainda custam cerca de 500 euros, nota Francisco Ferreira. Que, pelo que vai vendo, tem expectativa de que, num par de anos, existam já no mercado soluções a custar uma dezenas de euros que permitam multiplicar pelo território as medições de partículas ou NO2 (Dióxido de Azoto) que hoje estão circunscritas às estações oficiais que fazem parte da rede QualAr.  Será com os dados do QualAr, e da aplicação existente para divulgação de dados e alertas, que qualquer um pode instalar num telemóvel, que a Zero vai tentar sensibilizara população para a qualidade do ar. 

Mudar a mobilidade

Em termos de poluição ambiental e sonora, o espaço urbano é muito afectado pelos actuais padrões de mobilidade  – excessivamente motorizada – o que justifica o cruzamento do ruído, ar e mobilidade no projecto MobilizAR. Que tem uma forte componente de educação ambiental, na qual a Zero vai investir uma parte do financiamento de 35 mil euros obtido do Fundo Ambiental. Para além de estar já a realizar seminários online (webinars) com municípios e professores, a associação está a convidar os alunos do 2.º e 3.º ciclos de todo o país a apresentarem ideias inovadoras de soluções ou medidas de melhoria para da qualidade do ar, ruído e mobilidade, apontando, neste último caso, para a promoção dos modos suaves ou activos (o pedonal e ciclável), como alternativa mais limpa e silenciosa para muitas das deslocações em espaço urbano. 

Segundo Francisco Ferreira, a equipa do MobilizAR estará disponível para apoiar os alunos através da realização de webinares para cada um dos temas, e os trabalhos, podem ser submetidos até 30 de Janeiro, através do site do projecto. Após uma triagem preliminar, por parte da Zero, será aberta uma votação para que o público escolha as suas iniciativas favoritas e as cinco ideias mais votadas do 2.º ciclo e do 3.º ciclos receberão como prémios computadores portáteis, tablets e carregadores (power banks). 

Usar a pandemia para reflectir

O projecto surge num ano em que as três componentes que ele abrange foram fortemente afectadas pela pandemia de covid-19 provocada pelo novo coronavírus. Com uma parte da população confinada durante a Primavera, e outra remetida ao tele-trabalho desde Março, o tráfego rodoviário diminuiu, abrindo a nossa percepção da cidade a sons que estavam mascarados por esse fundo permanente de barulho do trânsito. Foram muitas as notícias sobre esta outra mudança, provisória, no nosso quotidiano, e até os pássaros melhoraram o seu canto, ao terem de deixar de competir com outras fontes de som.

Mesmo admitindo que, ultrapassada a pandemia, o regresso à normalidade trará consigo muitos dos problemas para que a Zero vem alertando – veja-se o caso de Lisboa, onde o som dos aviões deixou de incomodar, quase – Francisco Ferreira espera que esta experiência nos ajude a reflectir nas cidades que temos. E que, principalmente, nos estimule a imaginar outros estilos de vida que nos aliviem da carga de poluição, sonora e ambiental, que, quase sem notarmos, nos acompanha a toda a hora, prejudicando a nossa saúde.

 
Sugerir correcção
Comentar