Verba europeia para ajuda aos mais carenciados pode ser usada até 2023

Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas está com uma taxa de execução que ronda agora os 45%, mas a verba está alocada. Governo diz que está a fazer contactos para avançar com vouchers/cartões electrónicos

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PEDRO MELIM

Embora a taxa de execução do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC) seja baixa, não se pode dizer que Portugal desperdiçou o dinheiro da União Europeia destinado a ajudar os mais pobres. A execução do programa não termina este ano: a verba é para usar até 2023.

Os números constam do relatório da auditoria do Tribunal de Contas, segunda-feira enviado aos órgãos de comunicação social: no dia 31 de Dezembro de 2019, a taxa de execução global do POAPMC 2014-2020 estava nos 32%. A taxa de compromisso, todavia, era de 92%, havendo gastos planeados até ao final de 2022 e previsão de encerramento de contas em 2023.

Neste momento, segundo o Ministério do Trabalho da Solidariedade e da Segurança Social, a taxa de execução está nos 45%. “Não existe qualquer desperdício de verbas neste programa”, lê-se no esclarecimento que emitiu esta tarde. “De acordo com o aprovado pela Comissão Europeia, a execução está prevista até 31 de Dezembro de 2023.”

Recorde-se que o programa arrancou com um atraso. Em 2014 e 2015 houve alguma distribuição de bens alimentares, mas ao abrigo das normas transitórias do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAD). Nesses dois anos, não houve execução por conta do POAPMC. A compra de géneros alimentares ainda foi feita com recurso ao antigo Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados e a distribuição financiada pelo Orçamento do Estado, refere o Tribunal de Contas.

A nova regulamentação tornava o processo muito mais exigente. Quando o PS se tornou Governo quis repensar tudo. Enjeitava o modelo do PSD/PP, assente em cantina sociais. E não via virtudes na distribuição ocasional de ajuda alimentar. Em 2016 e até Novembro de 2017, numa mudança de paradigma, o programa esteve a ser pensado, planeado e montado. Definiu-se uma cesta básica que garante 50% dos nutrientes necessários e um intricado sistema de distribuição. Envolveram-se centenas de organizações (umas intermédias e outras locais) e lançaram-se vários concursos públicos. O objectivo era apoiar, de forma regular, 60 mil pessoas no continente. Só em 2019 se alargaria o programa às ilhas, tendo uma meta de 6.546 nos Açores e 2.766 na Madeira.

Nos dois últimos meses de 2017, o programa chegou a 37.615 pessoas. Em 2018 chegou a 79.037 pessoas, ultrapassando a meta inicial. Em 2019, a 92.632 pessoas. Em Outubro deste ano eram 113.827 os beneficiários. 

O Tribunal de Contas concede que o programa ajuda a atenuar a severidade da pobreza, mas é crítico na forma como funciona. O maior reparo prende-se com constrangimentos que o modelo actual provoca na “periodicidade da distribuição, no levantamento e na conservação dos alimentos disponibilizados”. Quer as instituições envolvidas, quer as famílias beneficiárias enfrentam dificuldades relacionadas com o armazenamento e a conservação, sobretudo dos bens congelados. E é isso que leva o Tribunal de Contas a sugerir ao Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social que promova um sistema de vales ou cartões electrónicos em vez de distribuir cabazes alimentares pelas famílias mais carenciadas.

Sobre isso, informa o gabinete da ministra Ana Mendes Godinho que "Portugal é um dos poucos países que iniciaram junto da Comissão Europeia o processo de implementação de vouchers/cartões electrónicos para pagamento destes apoios junto das famílias”. “Este processo iniciou-se a partir do momento em que foi possível, tendo já sido encetadas reuniões e contactos para implementar este procedimento.”

A auditoria observa que há alguma acompanhamento aos beneficiários, mas questiona o facto de a ajuda estar reduzida à alimentação. Afinal, aquelas verbas podem “ser utilizadas para satisfazer outras necessidades materiais das pessoas afectadas pela pobreza (vestuário e outros bens essenciais, como, por exemplo, calçado, sabão e champô)”. 

O programa não está talhado para chegar a todos os que vivem em situação de privação material. Os auditores sustentam que o modelo é desadequado para pessoas sem-abrigo, embora 21 nessa condição tenham acedido a este programa no espaço de dois anos (há pessoas que vivem em edifícios devolutos com fogão). E não chega às pessoas que se encontram em situação irregular, já que pressupõe número de Segurança Social. Respondeu-lhes o Instituto de Segurança Social que estes dois grupos podem recorrer a cantinas sociais e a acção social.

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