Portugal devia copiar Espanha e pedir testes à covid-19 nos aeroportos, defendem especialistas

Governo espanhol alargou a praticamente todos os países a obrigatoriedade de apresentação de um teste negativo para a entrada no país. Portugal apenas pede essa prova aos passageiros de fora do Espaço Schengen, mas especialistas defendem alargamento.

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Controlo nos aeroportos deve ser reforçado? Especialistas consideram que sim Rui Gaudencio

O novo estado de emergência, em vigor desde segunda-feira, não alterou a testagem e controlo de passageiros que entram no país por via aérea ou marítima. Apesar de o diploma prever a possibilidade de exigência de comprovativos de testes negativos à covid-19 a quem chegue ao país, a verdade é que, esta semana, ainda não se registaram alterações à testagem e controlo de passageiros.

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Administração Interna (MAI) confirmou que, para já, estão a ser aplicadas as medidas do Despacho n.º 10712-F/2020, anterior ao estado de emergência, que detalha as obrigações de testagem que, refere o ministério, podem ser alargadas em caso de necessidade. Também o Ministério das Infra-estruturas e Habitação diz ao PÚBLICO que "não se prevê qualquer alteração” às regras de testagem. 

À chegada a Portugal, apenas têm de apresentar comprovativo de teste negativo à covid-19 – realizado obrigatoriamente até 72 horas antes do embarque – aqueles que viajem de países que não sejam membros da União Europeia ou não pertençam ao Espaço Schengen. Os aeroportos de Lisboa, Porto, Faro e Beja estão equipados com equipamentos de medição da temperatura corporal por infravermelhos.

Com a subida de casos e mortes nas últimas semanas, o pedido de apresentação de um teste negativo deveria ser alargado? “Estou de acordo e já estava de acordo desde o Verão com o aumento do controlo efectivo, sobretudo nos aeroportos e portos marítimos, sobre passageiros provenientes de destinos que tenham uma situação de descontrolo a pandemia. Sabemos quais são esses destinos, porque o Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) tem esse ‘semáforo’ com os países”, explica Tiago Correia, especialista em Saúde Internacional, ao PÚBLICO.

O “semáforo” referido pelo especialista será, a partir do dia 23 de Novembro, o guia usado pela Espanha para determinar a obrigatoriedade de comprovativo de teste negativo à chegada ao país. De acordo com esta instituição de saúde pública europeia, apenas Noruega, Finlândia e Grécia escapam à classificação de alto risco na Europa. O Governo espanhol anunciou, esta quarta-feira, maiores restrições às entradas no país, depois de um aumento de novos casos e mortes nas últimas duas semanas, que chegou mesmo a ver um novo máximo de casos, com 25.595 infecções em 24 horas.

“Pelo menos nesta fase, em que há um descontrolo da pandemia em toda a Europa, devem ser exigidos testes aos países com um número médio de casos que os coloque acima desta linha vermelha. Percebo as resistências a esta medida, porque o sector da aviação esteve completamente parado, e porque sabemos que precisamos do turismo para reactivar certos sectores económicos. Mas olhemos para a República Checa: teve muito poucos casos e mortes no Verão e, como consequência, esteve no corredor verde de todos os países europeus. Curiosamente – ou não – foi o primeiro país europeu com cadeias de transmissão descontrolada”, explica Tiago Correia, defendendo a decisão tomada por Espanha.

De acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) facultados ao PÚBLICO, 1541 passageiros que chegaram ao país não tinham comprovativo de teste negativo à covid-19. Deste número, 75% aceitaram realizar os testes no aeroporto, com 384 pessoas a receberem uma notificação para serem testadas nas 48 horas que se seguiram à chegada. No total foram controlados mais de 54 mil passageiros em 525 voos.

“Temos a necessidade de ter a prova [de teste negativo] para nos dar alguma garantia de que não temos mais infecções importadas. Neste momento não interessa estar a referir critérios de incidência, porque, tirando duas ou três excepções, existe um risco elevado [de transmissão] em todos os países”, considera António da Silva Graça, médico infecciologista. O médico alerta para a possibilidade de pessoas infectadas com o vírus colocarem em risco os passageiros na mesma aeronave podendo, depois, transmitir o vírus no destino. 

União Europeia funciona com “lentidão"

A decisão espanhola, anunciada esta quarta-feira, foi tomada num contexto nacional, sem que fossem consultadas entidades europeias e ouvidos os países afectados por esta reforço nas regras de acesso ao país. O antigo director-geral da Saúde e professor jubilado da Escola Nacional de Saúde Pública Constantino Sakellarides considera que a necessidade de a Espanha ter decidido sozinha se prende, em parte, com a lentidão da União Europeia em coordenar uma resposta conjunta na questão das fronteiras.

“Não gostava de ver o Governo [português] tomar uma medida antes dos outros, porque torna a comunicação mais confusa. Mas temos aqui um segundo aspecto, um problema de fundo. É desesperante e está relacionado com a lentidão com que a União Europeia funciona: como é possível, ao fim de oito meses de pandemia, a União Europeia não ter conseguido concertar com os países as regras das fronteiras? Era bom que existisse uma análise de riscos comuns, que permitisse critérios iguais, dos quais decorriam quando as fronteiras abrem ou fecham ou as condições para as manter abertas. Não existindo esta coordenação, as coisas acontecem dentro das estratégias dos Governos”, lamenta o antigo director-geral da Saúde.

Para António da Silva Graça, a decisão do Governo espanhol poderá sustentar um eventual reforço do controlo dos passageiros na chegada ao país: “Acho que já deveria ter sido feito há mais tempo e continua-se a resistir em tomar esta medida, mesmo havendo decisão da Espanha em fazê-lo. Admitia-se que não querer adoptar esta medida tinha que ver com não querer adoptar uma posição diferente da do país vizinho ou de outros países da União Europeia. O que estamos a ver é que esses países estão, por si próprios, a tomar essas atitudes e o nosso país não o está a fazer.”

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