O manifesto dos Açores

É muito mais importante dar um futuro de esperança à maioria dos açoreanos, mesmo se tal passar por um acordo assético com um partido populista da direita radical, do que perpetuar o PS no poder

Sou um adepto de “democracias consociativas” entendidas como os sistemas eleitorais e de governo que favorecem governos assentes em mais de um partido, seja através de coligações pré ou pós-eleitorais, seja através de acordos de incidência parlamentar que assegurem a estabilidade governativa.

Não obstante o nosso sistema eleitoral ser de base proporcional, o que à partida favoreceria as coligações, a verdade é que durante trinta e cinco anos Portugal privilegiou soluções governativas unipartidárias, típicas de “democracias maioritárias”.

Se olharmos para as democracias europeias concluímos que nos estados em que o sistema eleitoral tem base proporcional mais de 90% dos governos europeus resultam de soluções pluripartidárias sendo que em Portugal, até 2015, o maior número de governos assentou em soluções unipartidárias através de maiorias absolutas de um só partido ou de governos minoritários.

Tal “exceção portuguesa” não foi mais do que a tradução de um enviesamento do sistema causado pela dificuldade dos partidos à esquerda se entenderem em soluções governativas. O PS para governar precisava de uma maioria absoluta ou governaria em minoria. Se à esquerda as soluções pluripartidárias estavam vedadas à direita seriam naturais com várias experiências governativas fruto de coligações pré ou pós-eleitorais.

Este enviesamento do sistema apenas foi superado em 2015 com o primeiro governo consociativo de esquerda suportado em acordos parlamentares entre o PS e os partidos da esquerda radical. Foi bom? Para os interesses partidários da direita não, mas para o equilíbrio do sistema sem dúvida que foi.

Naturalmente que a principal vítima desta alteração foi o PSD que, como maior partido de governo à direita dos socialistas, passou a ter um PS disponível e com capacidade para concretizar soluções consociativas à esquerda. Houve como que um muro à esquerda que foi derrubado e passámos assim a ter um sistema mais equilibrado capaz de produzir soluções consociativas quer à esquerda, quer à direita.

Mas o PS, libertado desse espartilho ainda aposta em ter mais. Melhor situação para o PS só se o partido conseguisse que, à direita, fosse erguido um muro que impeça qualquer tipo de entendimento que cubra todo o espaço à direita do PS. Aí sim estariam reunidas condições para a mexicanização do regime por parte do PS e a sua perpetuação no poder. Aliás, bem tentou o PS seduzir o CDS para uma solução de governo nos Açores, essa sim mereceria um manifesto duro da direita que assinaria desde a primeira hora.

Vem esta reflexão a propósito da solução de governo que PSD, CDS e PPM anunciaram para os Açores, quebrando 24 anos de poder do PS no arquipélago. Se os partidos à direita do PS não se tivessem conseguido entender seria a primeira vez em Portugal que um parlamento com uma maioria absoluta de deputados à direita do PS não conseguiria viabilizar um governo, erigindo um muro à direita e abrindo porta a uma mexicanização do regime com consequências nefastas para a democracia, seguramente a longo prazo bem mais perigosas que um acordo assético com um partido populista radical de direita.

Quase simultaneamente ao anúncio do novo governo nos Açores, vozes à direita vieram manifestar a sua profunda repulsa por soluções de governo à direita que não excluam o apoio parlamentar do Chega. No fundo o que os subscritores nos vieram dizer não difere muito do que várias vozes do PS assinalaram quando António Costa anunciou o apoio parlamentar dos partidos da esquerda mais radical ao seu governo. Aliás no próprio manifesto se confirma a repulsa também por soluções de governo do PS com a esquerda radical.

Na prática os subscritores ainda não assimilaram que as regras do sistema mudaram e que para verdadeiramente se ganhar eleições não basta ter mais votos. Para se ganhar eleições é preciso ter condições políticas para que o seu programa de governo não seja rejeitado pelo parlamento. O PSD e o CDS não ganharam as eleições em 2015 porque não as reuniram e o PS não as venceu nos Açores.

O que os subscritores desejavam mesmo era que na esquerda se levantasse um novo muro entre o PS e a sua esquerda para voltar a enviesar o sistema.

A história não anda para trás. O tempo dos governos minoritários e das maiorias absolutas de um só partido terminou, e ainda bem. Na política escolhemos entre males menores e é muito mais importante dar um futuro de esperança à maioria dos açoreanos, mesmo se tal passar por um acordo assético com um partido populista da direita radical, do que perpetuar o PS no poder defraudando os anseios da maioria dos açoreanos que votou pela mudança.  

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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