Covid-19: Salas de espectáculos alteram horários e adiam programação dos fins-de-semana

Agentes culturais adaptam-se às limitações de circulação impostas até 23 de Novembro, mas temem consequências num sector já muito fragilizado. “Não sabemos quantos de nós vamos sobreviver”, diz a produtora Sandra Faria.

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Desde Junho que a vida dos teatros e outras salas de espectáculos mudou para dar resposta às normas de higiene e segurança determinadas pela DGS PAULO PIMENTA

Salas de espectáculos um pouco por todo o país começaram por estes dias a alterar horários ou a adiar programação de modo a conseguirem sobreviver a mais uma “machadada” no sector depois de anunciadas as novas limitações impostas pelo recolher obrigatório decretado pelo Governo na tentativa de atenuar o número de casos crescente de infecções e óbitos devidos à pandemia de covid-19. 

O Governo decretou o recolher obrigatório entre as 23h e as 5h nos dias de semana, a partir da passada segunda-feira e até 23 de Novembro, nos 121 municípios mais afectados pela pandemia, assim como “limitação da liberdade de circulação” nos fins-de-semana de 14 e 15 de Novembro e de 21 e 22 de Novembro.

A “limitação da liberdade de circulação” vigorará entre as 13h de sábado e as 5h de domingo e as 13h de domingo e as 5h de segunda-feira. No entanto, há 13 excepções de deslocações autorizadas, em que se incluem ir a estabelecimentos de venda de produtos alimentares e de higiene.

Para a Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos (APEFE), esta decisão “é uma grande machadada no sector”. “Que nós não compreendemos, porque se as regras são cumpridas exemplarmente nas salas, e se as salas são seguras – e são mais seguras do que ir ao supermercado –, como é que os supermercados podem estar abertos e as salas de espectáculos não, dentro daqueles horários, quando a circulação é organizada, quando há distanciamento social entre as pessoas, quando é obrigatório o uso de máscara?”, questionou Sandra Faria, da APEFE, em declarações à Lusa.

O sector da Cultura, que “já está a viver uma tragédia em 2020”, “vê essa tragédia agravada com estas restrições dos fins-de-semana”.

As salas de espectáculos encerraram em Março, quando foi decretado o primeiro estado de emergência, embora os espectáculos tenham começado a ser adiados ou cancelados antes disso, e puderam reabrir a partir de 1 de Junho, mas com normas de higiene e segurança.

No entanto, Sandra Faria salienta que “os profissionais do sector da Cultura não desistem” e há “muitos promotores a adaptarem espectáculos, a alterarem horários, a criarem parcerias para tentarem fazer alguma coisa”.

Sandra Faria, que é também directora da promotora Força de Produção, responsável do Teatro Maria Matos, dá o seu exemplo. "Ao sábado e ao domingo, vamos passar o espectáculo Avenida Q para as 10h e vamos ter um pack de bilhete com brunch no Hotel Lutécia. Quer dizer que as pessoas podem ir ao espectáculo, acaba o espectáculo e vão tomar este pequeno-almoço tardio e vão para casa à hora de recolher, às 13h”, referiu.

Opção idêntica teve a direcção do Guimarães Jazz, que promove “Jazz ao pequeno-almoço”. A programação dos fins-de-semana do 29.º Guimarães Jazz, que decorre entre quinta-feira e 22 de Novembro, acabou por sofrer alterações, com os concertos, no Centro Cultural Vila Flor a terem início às 10h30.

Mas também houve quem antecipasse espectáculos, como o Teatro Municipal da Guarda, que passou o concerto dos First Breath After Coma, previsto para dia 21, para o dia 20 de Novembro, às 19h.

Por outro lado, a Everything is New e a PEV Entertainment decidiram, “em conjunto com os artistas”, adiar alguns dos espectáculos da iniciativa Santa Casa Portugal ao Vivo, entre os quais os de Carminho no Campo Pequeno, em Lisboa, que passou de 14 para 18 de Novembro, de Diogo Piçarra no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, adiado de 14 para 19 de Novembro, de Dino D"Santiago no Pavilhão Rosa Mota, previsto para dia 22 e adiado para dia 26, e o de Fernando Rocha no Campo Pequeno, programado para dia 15 e adiado para dia 29.

Já o Teatro do Bairro Alto (TBA), em Lisboa, optou por cancelar as sessões agendadas para 14 e 15 de Novembro do espectáculo Heading Against the Wall, de Cão Solteiro & André Godinho, integrado no festival Alkantara, e parte da programação do TBA no Lux-Frágil. No entanto, o TBA mantém a sessão de 13 do mesmo espectáculo e agendou uma nova para dia 16, às 19h.

O Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, que já tinha antecipado as sessões durante a semana, cancelou as representações da peça Última Hora, nos próximos dois fins-de-semana. Antecipou igualmente as sessões do espectáculo Onde É a Guerra (até 12 de Dezembro), para as 11h. Adiou ainda a entrega do Prémio Revelação Ageas TNDMII, para data a anunciar. Reforçou as condições de segurança, e também alterou o horário da bilheteira. Pode ser tudo consultado no site do teatro.

O Teatro Experimental de Cascais, que antecipou os horários da peça Yerma, durante a semana, excluiu os espectáculos inicialmente previstos para os próximos dois fim-de-semana.

O Theatro Circo, em Braga, também antecipou o concerto de Tiago Sousa, no dia 14 de Novembro, das 19h para as 11h, e a representação de As Troianas, pela Companhia de Teatro de Braga, no dia 21, das 19h para as 10h.

Para O Balcão, de Jean Genet, que o Teatro Nacional S. João, no Porto, estreia no dia 17, a sessão de domingo, dia 21, está marcada para as 10h. No Teatro do Bolhão foi cancelada a sessão de Lorencrazio, de sábado, 14, e A Morte de Raquel, no Teatro Carlos Alberto, passou as sessões do próximo fim-de-semana para as 11h.

Mas não foram só os espectáculos de sábado e domingo que foram afectados com as novas regras do Governo. Várias salas tiveram de antecipar horários durante a semana, de modo a que, às 23h, o público esteja em casa.

Sandra Faria reconhece que as salas e promotores têm de se “reinventar”, mas afirma que “é muito complicado”. “Não sabemos quantos de nós vamos sobreviver”, acrescenta.

“Vimos hoje uma notícia que poderá haver apoio para a restauração, pela perda de facturação nestes fins-de-semana, espero que o Governo também se lembre da Cultura e dos espectáculos ao vivo”, afirmou.

Também a Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas sublinhou que, “incompreensivelmente, o anúncio das medidas restritivas não foi acompanhado por um anúncio de medidas de apoio aos trabalhadores e às actividades mais afectadas”.

O anúncio das novas medidas gerou preocupação na Plateia e também no Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, Audiovisual e Músicos (Cena-STE).

“A Plateia vê com preocupação as terríveis consequências destas medidas para milhares de trabalhadores, centenas de estruturas artísticas e culturais em todo o país, e para a participação cultural e acesso à cultura de toda a população”, refere aquela associação num comunicado divulgado na segunda-feira.

Já o dirigente do Cena-STE, Rui Galveias, em declarações à Lusa, considerou a limitação de circulação ao fim de semana “mais um prego no caixão” do sector da Cultura, que já está “numa situação dramática”.

“Olhamos para tudo isto com muita preocupação. Entendemos a necessidade de cuidar das pessoas, entendemos que os números são dramáticos, mas não conseguimos compreender estados de emergência, quando as pessoas têm aderido às regras”, salientou.

Na segunda-feira, a ministra da Cultura apelou “a todas as pessoas” para que continuem a ir a espectáculos e equipamentos culturais, destacando o esforço dos profissionais do sector na adaptação às medidas aprovadas para tentar conter a pandemia da covid-19.

“Deixo um apelo a todas as pessoas, cidadãos, que continuemos todos, na medida que conseguirmos, a ir ao teatro, ao cinema, a um espectáculo de música, a uma biblioteca”, afirmou Graça Fonseca, no Parlamento, lembrando que “Portugal é um dos poucos países da Europa que mantém equipamentos culturais abertos”.

A ministra salientou que, “no espaço de 24 horas, centenas de salas anteciparam horários e não encerraram”, em referência à limitação de funcionamento em vigor.

Horários adoptados em função das novas restrições estão disponíveis nos sites das diferentes salas de espectáculos.

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