Prisão de Tires tem 148 reclusas, duas crianças e cinco guardas com covid-19

Os casos negativos serão testados novamente nos próximos dias. Guardas acusam direcção da prisão de esconder resultados porque não há distribuição de documento com resultado do teste.

Foto
paulo pimenta

São já 148 as reclusas da prisão de Tires infectadas com covid-19, a que se somam duas crianças que se encontram com as mães presas, cinco guardas prisionais, duas enfermeiras e uma auxiliar de cozinha. Ou seja, o estabelecimento prisional tem, entre reclusas e trabalhadoras, mais de um quarto da sua população infectada. As reclusas com testes positivos estão “genericamente assintomáticas” e foram colocadas todas juntas num mesmo pavilhão, embora tenham sido transferidas duas para a prisão de Santa Cruz do Bispo e estejam outras duas em Caxias - mas estas foram na semana passada. E as que tiveram resultado negativo serão testadas novamente nos próximos dias, garantem os serviços prisionais.

Depois de terem sido testadas quase 170 reclusas do pavilhão das condenadas na quinta-feira à tarde e dadas como infectadas 121, foram testadas no sábado as restantes presas, nomeadamente as preventivas, boa parte do contingente de guardas prisionais e parte dos trabalhadores civis.

Ao PÚBLICO, guardas de Tires queixaram-se que a direcção da prisão não divulgava o resultado do teste, não entregava qualquer documento dizendo se era positivo, negativo ou inconclusivo, tendo referido que apenas iria contactar as que testaram positivo. O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional defende que se deve exigir um documento porque o comprovativo do teste e do resultado é uma informação de índole pessoal, argumenta o presidente, Jorge Alves, que considera a situação “estranha”, parecendo que a direcção da cadeia “quer esconder algo”.

Questionada pelo PÚBLICO sobre o procedimento de divulgação de resultados, a DGRSP respondeu que “os resultados negativos serão comunicados pela direcção do Estabelecimento Prisional de Tires e os positivos, a que se dá urgência e primazia, são comunicados por pessoal de saúde”. 

“No âmbito do plano de contingência, e conforme anteriormente informado, as reclusas positivas, genericamente assintomáticas, foram afectadas a um pavilhão do Estabelecimento Prisional de Tires onde permanecerão em isolamento, separadas da restante população prisional, e sob vigilância e acompanhamento permanente (24 horas), de pessoal clínico do Hospital Prisional que foi para o efeito convocado”, descreve a Direcção-geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais (DGRSP).

“As duas crianças que acusaram positivo, e se encontram assintomáticas, estão na companhia das mães neste pavilhão que foi destinado ao acompanhamento e vigilância médica dos casos positivos à covid-19, tendo igualmente seguimento pediátrico”, garantem os serviços prisionais.

Reclusas queixam-se de “situação desumana” mas os serviços negam acusações

Desde há uma semana que foram suspensas as actividades de formação escolar e profissional e de trabalho, bem como as visitas, quatro dias depois de a direcção da prisão ter tido conhecimento de que havia uma reclusa condenada infectada e de, ainda assim, ter mandado as guardas prisionais fazerem uma busca geral na sexta-feira, o que implica entrarem nas celas, mexerem nos objectos das reclusas e terem um contacto muito mais próximo com elas. O surto começou com uma reclusa do pavilhão das condenadas que saía frequentemente da prisão para fazer exames e tratamentos oncológicos mas não fazia quarentena quando entrava. Depois de transferida para o hospital prisional de Caxias há quase duas semanas, testou positivo. A direcção da cadeia foi informada na quinta-feira, dia 29 e só começou a fazer a testagem uma semana depois.

Na sexta-feira, dia 6, a DGRSP e o Sindicato Nacional dos Guardas Prisionais avançaram com números diferentes de reclusas e guardas infectadas e de quarentena - este último chegou a garantir que havia 150 reclusas doentes

Durante a última semana, as reclusas têm passado quase todo o dia dentro das celas, usufruindo apenas de recreios de meia hora de manhã e o mesmo tempo à tarde mas apenas no corredor do edifício, não podendo ir à rua. “Para que se garanta o distanciamento físico, está a decorrer em grupos organizados de reclusas, usando máscara”, descreve a DGRSP, que argumenta que ​"a experiência já adquirida demonstra que é durante o gozo do pátio a céu aberto que o risco de contágio se avoluma, pelo que é necessária especial cautela no usufruto deste inalienável direito dos reclusos”.

Porém, os serviços da prisão não têm distribuído máscaras diariamente: segundo relatos das reclusas, foi distribuída uma máscara descartável a cada uma na quinta-feira e só voltaram a receber uma nova no domingo.

Para além de afirmarem que não há álcool gel, as reclusas têm-se queixado também da falta de material de limpeza para as celas e de medicação para algumas que apresentam sintomas. Também não têm acesso à “cantina”, a loja da prisão onde se abastecem de produtos de higiene íntima, comida, água engarrafada e tabaco, desde há uma semana. E as refeições têm chegado às celas várias horas depois do que era suposto - os refeitórios estão também encerrados. “A situação aqui está desumana”, queixava-se uma reclusa numa mensagem telefónica deixada à sua advogada. A DGRSP admitiu os atrasos na alimentação (porque as reclusas que trabalham no refeitório estão infectadas ou de quarentena) e garantiu que iria distribuir os pedidos de compras nesta segunda-feira. Mas rejeitou a falta de material de limpeza e remeteu para os serviços clínicos a responsabilidade pela medicação.

Entretanto, neste domingo, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados manifestou-se preocupada com o surto de Tires por causa das descrições de falta de condições relatadas e pela “recusa de acesso dos advogados às reclusas que representam”. A comissão apela a que o Ministério da Justiça actue “de forma célere” para evitar a violação dos direitos fundamentais dos reclusos. Mas a DGRSP garante não ter registo de qualquer recusa a advogados. E já nesta segunda-feira a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta juntou-se às críticas classificando a situação “inaceitável” e considerando que houve “grave negligência das autoridades prisionais” naquela prisão.

Sugerir correcção