A soma: vergonhas nacionais e estranhas formas de comunicar saúde pública

Os portugueses vão fechar-se de novo em cadeias. Porque não ouviram os cientistas, mas os que ordeiramente se alinham atrás de uma autoridade de saúde que caiu em roto saco.

Amílcar Correia tem mais do que razão. Noutro tempo e em circunstâncias normais, se houvesse um Governo que não fosse de esquerda combinada e articulada em desequilíbrios, o espaço público, as pessoas latu sensu teriam mergulhado na indignação coletiva. Com manifestações contra este tipo de vergonhas nacionais, que mais não são que uma vergonha para quem governa, e onde o silêncio impera, gritantemente, com casos desta natureza. Chatice!

Este tema, a morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa enquanto estava sob a guarda do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, não interessa aos populistas de esquerda. Afinal, não se trata de um caso de racismo, nem de uma mulher que é presa por colocar o bebé no caixote do lixo. Tudo problemas de saúde mental, que a justiça resolve celeremente: cadeia com eles.

Este tema de editorial é tão grave como o caso de Santos Cardona, de criminoso a herói. Tão grave que não me recordo de que alguma vez tenha acontecido, mesmo no tempo da outra senhora. Quanta impunidade sentimos que anda por aí. Uma verdade absoluta em torno deste caso: a total desumanização na forma como se exerce a autoridade, como foi Abu Ghraib, que ignorou os princípios de um Estado (ainda) dito de direito. É só uma questão de tempo e tudo mudará.

É possível que o atual primeiro-ministro não aguente a pressão, pese embora me faça recordar o “cântico negro” de José Régio, e não dure muito tempo. E com o menu político cozinhado se atinja a “ascensão” de um novo Governo, que voltará a cair. A impunidade e a incapacidade de liderar, a par da enorme crise institucional das autoridades de saúde pública – vemos um Governo que não respeita a combinação da comunidade científica –, contam apenas os que vão atrás das frases feitas do Governo – vai potenciar movimentos de descontentamento e consequentemente.... uma “revolução” social.

É sempre reconfortante recordar – para quem tem memória literária – o Leopardo, como se amam os felinos. O príncipe de Salina defende que “é preciso que tudo mude...”, para voltar a ficar na mesma e repor a democracia e o respeito de um ratado Estado de direito.

Um destes dias veremos o povo na rua. E como as cidades fecham numa espécie de ditadura de esquerda, um destes dias, devido aos 121 concelhos encerrados, medidas porreiras, sem parar a economia, claro, senão a ministra da Saúde dá tautau ao da Economia e este faz queixinhas ao primeiro, transformaremos o país numa espécie de Praça Tahrir, no Egito, mas isso é democracia.

Proibir-se-ão as manifestações porque, afinal, violam as regras de saúde pública, assim mais próximas da democracia. Vivemos um cântico negro, é certo, como nos conta o poeta alentejano, que não é de Ourique, felizmente, onde se fecham caminhos públicos de Santiago, mas isso é contra a igreja, que se lixe! Afinal, de que servem os cristãos senão para (às vezes) botar o voto?

Esqueçam lá isso. Os portugueses vão fechar-se de novo em cadeias. Porque não ouviram os cientistas, mas os que ordeiramente se alinham atrás de uma autoridade de saúde que caiu em roto saco.

A par de tudo isto, silenciados e abafados, vão morrendo mais pessoas que, com medo, já não têm acesso aos cuidados necessários de saúde. Os médicos estão cansados – voltaram a ser lembrados – e dá jeito lembrar. Mas, pior que tudo, como das demais desgraças, aumentam os casos de saúde mental, abafados como o dos inspetores que matam na Abu do aeroporto e isso é silenciado democraticamente pelo Governo.

Assim, como menciona Isabel Vaz, e bem, “Marta Temido, sem hard feelings” aponta ausência de planeamento na articulação entre o Serviço Nacional de Saúde e o setor privado da saúde. Conta que desde o inicio da pandemia, só Graça Freitas tem tido essa abordagem. Mas é tão silenciada que o primeiro-ministro e a ajudante de campo na Saúde, que tutela a pasta – não especialistas de saúde pública – seguraram as rédeas de tal parto.
 
Valha-nos Régio: “...Não sei por onde vou / Não sei para onde vou/  Sei que não vou por aí!”.

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