BE recusa “chantagem”, afasta solução de duodécimos e desafia Costa a apresentar novo Orçamento

Catarina Martins diz que não é tempo de “atirar a toalha ao chão” e questiona sentido de responsabilidade do primeiro-ministro.

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Catatina Martins pede um Orçamento do Estado que responda aos problemas do país LUSA/JOÃO RELVAS

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, acusou nesta terça-feira o primeiro-ministro de fazer “chantagem” com a crise política, mostrou-se contrária a um orçamento por duodécimos, ao mesmo tempo que desafiou António Costa a avançar com um novo Orçamento para o próximo ano.

Na semana decisiva para a aprovação do Orçamento do Estado para 2021, Catarina Martins disse que não é tempo de “atirar a tolha ao chão”, porque o país atravessa provavelmente a “maior crise que já viveu”. E atira, para insistir que o executivo não se deve conformar com a possibilidade de recurso aos duodécimos no actual momento de crise: “Mas que irresponsabilidade é esta? Se não existir um Orçamento, o Governo pode apresentar outro”, declarou a líder dos bloquistas, no programa Sob Escuta, da Rádio Observador.

“É possível sermos sérios e continuarmos a trabalhar para termos um Orçamento do Estado que responda ao país. Essa é a única escolha responsável. O Bloco de Esquerda vai reunir a sua Mesa Nacional no dia 25 para tomar uma decisão sobre a votação na generalidade, e eu já tive a oportunidade de dizer que, do meu ponto de vista, o Orçamento do Estado não tem condições para ser viabilizado pelo BE. Se não existir um Orçamento, o Governo pode apresentar outro”, defendeu.

“Se não houver um Orçamento que garanta o acesso à saúde da população portuguesa e que não garanta a protecção social de quem perdeu tudo com a crise, não serve ao país, mas o que é preciso fazer é outro. Eu não estarei aqui, seguramente, para atirar a toalha ao chão e dizer que tanto faz. O que é isso?”

Questionada sobre se há tempo para negociar outro Orçamento e começar o processo de novo, se for necessário, a coordenadora do BE não hesita na resposta: “Neste momento estou a negociar este [Orçamento] e é nisso que estou concentrada, que o país tenha soluções a sério. Há uma forma terrível de fazer política nos momentos difíceis que é começarmos todos a arranjar desculpas para falhar. O BE não arranjará desculpas para falhar (...). E espero que o primeiro-ministro queira mesmo um Orçamento do Estado.”

A questão do Novo Banco ocupou grande parte da entrevista, e a coordenadora do Bloco foi desafiada a explicar porque é que desta vez o seu partido é intransigente relativamente à transferência de dinheiros públicos para a instituição, quando o tem permitido ao viabilizar orçamentos anteriores. “A questão este ano não é a mesma, ou seja, o BE sempre teve uma posição diferente para o Novo Banco. A entrega do Novo Banco à Lone Star não foi votada no Parlamento, mas foram votadas as propostas alternativas do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português, mas foram chumbadas pelo PS e pela direita”, começou por explicar, frisando que o Bloco sempre se opôs a este modelo. “Votámos sempre contra a transferência em si (…), embora, depois, como havia um acordo e o Orçamento é um documento global, tenhamos viabilizado os orçamentos.”

“Mas este ano”, para Catarina Martins, “não é dessa discussão que se trata.” “O que aconteceu é que há indícios muito fortes de que a Lone Star está a vender activos a preço de saldo e não se sabe muito bem a quem, negócios que são pelo menos estranhos feitos com muita proximidade entre quem vende e quem compra”, declarou, insinuando a existência de gestão danosa. Numa tentativa de arrumar a questão, lembrou que “todos os partidos no Parlamento, neste momento, estão de acordo que é preciso investigar, visto que todos os partidos, até o PS, já perceberam que a auditoria da Deloitte não serve”.

“O que não é normal é estarem todos os partidos de acordo de que é preciso investigar e o OE estar a garantir novos pagamentos”, disse, sublinhando que o que o BE quer é “proteger o interesse público”. De resto, aproveitou para esclarecer que em relação a este caso não foi feita nenhuma investigação pelo Ministério Público — o que houve, vincou, foi um parecer com base nos dados disponíveis. E acusou o sistema financeiro de funcionar como um “clube de amigos: as quatro grandes empresas que podem fazer auditorias à banca são as mesmas que fazem negócios com a banca, tanto é assim que vamos de escândalo financeiro em escândalo financeiro com os contribuintes sempre a pagar e, anos e anos e depois, ninguém foi condenado por nada”.

A posição do Bloco, sublinha, é uma “coisa simples” e “razoável”. “Neste momento não estamos a propor que o Governo concorde em tudo com o Bloco sobre o sistema financeiro. O que estamos a propor é que, se todos os partidos estão a propor que é preciso investigar e que a Lone Star está muito provavelmente a assaltar o Estado português, então o que fazemos é não garantir mais nenhuma injecção sem resultados dessa investigação”, declarou Catarina Martins. “O que o Governo está a pedir no OE é que o Parlamento se comprometa com uma nova injecção do Novo Banco, antes dos resultados da auditoria, e isso é que não pode acontecer.”

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