Atrás de um computador

Junto com o direito a discordar vem o dever de o fazer com educação. E para debater com elevação não precisamos de nos esconder atrás de perfis falsos que só servem para semear discórdia e esfregar sal em feridas alheias.

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Parker Byrd/Unsplash

O meu marido é viciado em Criminal Minds e, como tal, acabei por assistir a todas as temporadas. Acho que é por isso que os imagino sempre da mesma maneira: pálidos, numa casa onde a única iluminação provém do ecrã do computador e onde a porta da rua só se abre para receber as pizas das mãos do entregador. Também tenho cá para mim que, lá no fundo, são todos profundamente infelizes e arrisco dizer que é esse o traço que os une: a Maria, que criou um perfil falso para arranjar conflitos em grupos de mães, é tão amargurada e triste como o António que, atrás de um nome fictício, passa o dia a destilar ódio nas caixas de comentários dos jornais.

Suponho que toda a emoção da vida destas pessoas aconteça mesmo atrás de um ecrã, o que, confesso, me faz sentir pena na mesma proporção em que os desprezo. Deve ser tramado olhar para o lado quando o dia chega ao fim e não ver nada nem ninguém. E essa ainda é a única desculpa que lhes concedo: na solidão, dizia Schopenhauer, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez.

Não sei mesmo o que vai na cabeça de gente que perde tempo da sua vida a odiar quem não conhece e, pior ainda, a materializar esse ódio em palavras. Mas eles andam aí, atacam nos perfis de Instagram de figuras públicas, em grupos de Facebook e nas caixas de comentários dos jornais que, vezes demais, se transformam numa espécie de esgoto onde o pior de cada um vem à superfície.

E sabem outra coisa gira que tenho vindo a descobrir? É que essas pessoas que tanto atacam e criticam, que sabem todas as respostas e se recusam sempre a dar o benefício da dúvida, nunca fizeram nada na vida que valesse a pena e nunca mexeram uma palha para ajudar ninguém.

Quando falo nestas coisas lembro-me sempre do comentário de uma colega minha, obesa, no Facebook da Jessica Athayde já lá vão uns aninhos. E sabem o que dizia o comentário? “Estás demasiado gorda para usar esse biquíni.” Até hoje ainda não consegui encontrar outra situação tão óbvia e que tão bem prove o meu ponto: o cérebro destas pessoas funciona na lógica do “se eu estou mal, então que tu também estejas”. E, longe de me querer transformar numa espécie de Gustavo Santos no feminino, era importante que estes mal-amados percebessem de uma vez que azedume traz azedume e que, citando José Datrino, gentileza gera gentileza.

Se temos todos de assentir e calar perante coisas com as quais não concordamos? Claro que não. Mas junto com o direito a discordar vem o dever de o fazer com educação. E para debater com elevação não precisamos de nos esconder atrás de perfis falsos que só servem para semear discórdia e esfregar sal em feridas alheias. Quem é íntegro e seguro de si, para além de não ter medo das suas opiniões, nunca se esquece de que a maior diferença entre os humanos e os vermes é a presença de uma espinha dorsal. Receio que a destas pessoas se tenha tornado vestigial.

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