Os riscos do turbilhão na pandemia

Com as infecções a aumentar previsivelmente durante mais algumas semanas, com os surtos a aparecerem nas escolas onde andam os nossos filhos ou familiares ou nas empresas onde trabalhamos, vai ser muito difícil gerir a tensão social e o clima político.

Começa hoje formalmente uma nova etapa do combate que há meses travamos contra a covid-19. A entrada em vigor da situação de contingência serve mais para reforçar o simbolismo de uma necessidade e não tanto para nos impor um conjunto de regras ou de restrições que nos travam as liberdades. Para nos recordar que os próximos meses serão mais parecidos com Março e Abril do que com Junho e Julho, quando, colectivamente, pudemos respirar um pouco e recuperar alguns dos prazeres básicos das nossas vidas. É esse regresso ao passado recente que nos cria ansiedade, suscita perguntas, alimenta desconfianças e cria riscos novos.

O primeiro desses riscos resulta da combinação do cansaço, da impaciência e, há-que dizê-lo, da infelicidade. Colectivamente, seremos mais intolerantes a falhas do Governo ou das autoridades. Mais suspeitosos da eficácia de medidas. Mais cínicos em relação à luz que nos revela o horizonte de uma vacina ou os impactes na economia do Fundo de Recuperação. Com as infecções a aumentar previsivelmente durante mais algumas semanas, com os surtos a aparecerem nas escolas onde andam os nossos filhos ou familiares ou nas empresas onde trabalhamos, vai ser muito difícil gerir a tensão social e o clima político.

Sabemos que parte do sucesso que o país vai ter ou não face aos desafios desta nova etapa depende mais de nós do que das orientações do Governo ou da DGS. Mas temos de saber também temperar a crítica com o reconhecimento prévio de que, haja ou que houver, o que se anuncia vai ser duro. Haverá, como houve no início da pandemia, falta de respostas simples que desejamos aos problemas complexos que gostaríamos de evitar. Haverá erros cometidos pelos directores das escolas, pelas administrações locais ou regionais de Saúde, pelo Governo ou pelas oposições que, tendo de ser apontados e discutidos, serão em muitos casos inevitáveis. Numa crise assim não há varinhas mágicas.

Se sobre o manto opressivo da pandemia colocarmos outro manto de desconfiança que tolhe quem tem a terrível missão de decidir e de agir, se não formos capazes de reconhecer que os impactes dos contágios não se resolvem com milagres, estaremos a criar um problema sobre outro problema. No tempo das redes sociais que exigem uma indignação e um culpado por dia, vai fazer falta esse espírito de abertura e compreensão para equilibrar o tumulto dos caçadores de cabeças. Será um erro cair no confinamento das ideias ou aceitar que a tensão na política desapareça; mas afundarmo-nos no criticismo cego que vimos, por exemplo, na política ou na cidadania em Espanha, também o será.

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