António Costa na comissão que “honra” o quê?

Se António Costa avaliou e ponderou as críticas e o mal-estar que a colagem da sua pessoa e, inevitavelmente, do seu cargo a Luís Filipe Vieira causaria nos cidadãos, se reflectiu no custo ético desse apoio, e se, ainda assim, decidiu avançar, só pode ser por insensibilidade ou arrogância

Já muito se disse e se escreveu sobre a participação de António Costa (e de outras figuras, como o presidente da Câmara de Lisboa) na Comissão de Honra da candidatura de Luís Filipe Vieira à liderança do Benfica. Já se disse que era uma imprevidência ou uma irresponsabilidade. Já se disse que não faz sentido argumentar que essa presença na lista tem de ser vista na estrita esfera individual, sem conexão alguma com as altas funções políticas que representa como primeiro-ministro. Já se disse que um chefe de Governo que pede recato aos seus ministros nas declarações sobre candidatos presidenciais não pode ele próprio eximir-se ao mesmo recato quando se associa a pessoas ou instituições contaminadas por suspeitas judiciais ou outras. Já se disse que quem afirma que os membros do seu gabinete têm de ter cuidado com o que dizem até na mesa do café não pode agir sem esse cuidado quando honra personalidades com a biografia de Luís Filipe Vieira.

Depois de tudo o que se disse em jeito de protesto contra a associação entre António Costa e um dirigente desportivo apontado como alegado beneficiário da fraude do BES ou de estar envolvido em vários processos judiciais como arguido ou suspeito, impõe-se a pergunta: o que leva António Costa a inscrever o seu nome numa comissão que, pelo seu propósito, se destina a enaltecer alguém que é percebido por muitos cidadãos como uma das faces do país minado pelo favor e pela corrupção? Duas respostas são possíveis e nenhuma tranquilizadora. Ou António Costa se deixou mover pela paixão clubística e não avaliou as consequências, como tantas vezes tem acontecido com outros políticos e com outros clubes de futebol; ou pensou em tudo racionalmente e ainda assim decidiu avançar em confronto com o sentimento público e o clamor contra a corrupção que tem o dever de interpretar e respeitar.

Quer numa, quer noutra condição, há razões para preocupação e crítica. A primeira situação seria entendível – todos erramos. A segunda, não. Porque se António Costa avaliou e ponderou as críticas e o mal-estar que a colagem da sua pessoa e, inevitavelmente, do seu cargo a Luís Filipe Vieira causaria nos cidadãos, se reflectiu no custo ético desse apoio, e se, ainda assim, decidiu avançar, só pode ser por insensibilidade ou arrogância. Para um líder que nos habituou à racionalidade e a um apurado sentido estratégico, que recusou zonas cinzentas no caso Sócrates, a honraria a Luís Filipe Vieira é um erro que só se mitiga com uma decisão: a de sair desse pântano imediatamente. O país, ansioso com a crise, não merece esta insensatez. 

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