Países irmãos e políticas integradas

Não há área da nossa vida quotidiana que não encontre expressão de especial intensidade nos contactos entre os nossos países. Mudamos de país, mas reconhecemo-nos e sentimo-nos acolhidos como em nossa própria casa.

Os afectos, sinergias e relações fraternas entre Portugal e Espanha fazem parte da história comum de ambas as nações. Para demonstrar isso, podemos recorrer a números de volume de tráfego, trocas comercias, investimento ou outros indicadores intimamente relacionados, como as viagens familiares, comerciais, de trabalho, culturais, turísticas, de saúde ou de estudo. Mas todos eles se multiplicam exponencialmente se acrescentarmos às viagens físicas as trocas “não presenciais” mas cada dia mais importantes: as traduções dos nossos livros, emails e telefonemas entre familiares e amigos, as obras dos nossos músicos, os projectos comuns das nossas universidades… Não há área da nossa vida quotidiana que não encontre expressão de especial intensidade nos contactos entre os nossos países. Mudamos de país, mas reconhecemo-nos e sentimo-nos acolhidos como em nossa própria casa.

Falar hoje em cooperação e acção conjunta entre Portugal e Espanha é, felizmente, um lugar-comum. O fórum parlamentar que realizamos esta segunda-feira insere-se num processo permanente e consolidado de diálogo, acordo e encontro constante. Um trabalho que se baseia, sem dúvida, nos interesses comuns dos dois países, mas também na vontade política de os enfrentar juntos. Boa prova disso é a constante acção concertada dos nossos governos no panorama da União Europeia, de longe a área da cooperação e de desenvolvimento, o lugar de decisão, o mais importante para os cidadãos de ambos os países. Portugal e Espanha souberam evitar qualquer dinâmica de confronto ou competição e unir forças para reforçar as respectivas capacidades, defender as suas posições e dar resposta a desafios que são, em grande medida, iguais, do envolvimento da União na luta e a recuperação derivada da covid-19 à discussão do “Brexit” ou a promoção do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Unir forças tem sido útil desde as mesmas negociações de adesão às então Comunidades Europeias em 1986. Hoje ainda é mais, dadas as implicações para a saúde, sociais e económicas da crise derivada da pandemia. Perante a tentação isolacionista ou meramente competitiva que surge em todos os momentos difíceis, a coordenação, o trabalho conjunto e a promoção de relacionamentos são o caminho mais eficaz não só para a enorme tarefa de recuperação económica, mas também para o combate imediato à saúde. Foi esse o sentido do acto de reabertura das fronteiras que no passado dia 1 de Julho, em Badajoz e Elvas, o Presidente da República e o Rei de Espanha solenizaram, com a presença dos chefes de ambos governos. É um português, hoje secretário-geral das Nações Unidas, quem melhor o formulou afirmando que “nenhum país pode enfrentar esta situação sozinho ... uma pandemia mostra que a humanidade é uma família cujos membros partilham laços essenciais”. Nós, espanhóis, estamos felizes por termos os portugueses como irmãos naquela família com a qual nos unimos não só pelos laços, mas pelo trabalho e pelas respostas comuns.

Espanha e Portugal beneficiam de uma longa tradição de cooperação transfronteiriça. Uma tradição que tem raízes sólidas para além e muito antes dos seus governos: nas empresas comuns, no trabalho concertado das câmaras municipais, na rica dinâmica de acordos das nossas comunidades regionais e dos nossos Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial, que têm alargado a sua actividade da saúde às comunicações, da gestão dos espaços naturais à dinamização cultural, do dinamismo económico à gestão das infra-estruturas que partilhamos. Como afirmou Eusebio Medina, “fronteira designa realidades muito diferentes e opostas; referindo-se em alguns casos a uma barreira entre dois espaços diferenciados e noutros à porta de entrada e contacto com o outro lado”. Conseguimos fazer que a Raia seja hoje, e sem dúvida, um espaço de encontro e colaboração, uma fronteira que nos une e não uma que nos separa, que a política se adaptou à realidade de uma “fronteira osmótica, permeável, cheia de encontros e oportunidades ”.

Por este motivo, a Cimeira de Valladolid há dois anos decidiu concentrar os nossos esforços neste período na promoção da cooperação transfronteiriça e adoptou o mandato de elaborar uma Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço, centrada no despovoamento como um problema existente em ambos os lados da fronteira; um problema que se enfrenta também ao transformar a fronteira não num limite de periferias, mas num eixo de centralidade.

Este mandato, desenvolvido e cumprido por ambas as administrações, deu origem a uma estratégia para os nossos dois países na área do desafio demográfico. Para além de acções concretas, de projectos acordados, para além da própria esfera transfronteiriça, o que estamos a construir é uma verdadeira política integrada, definida em comum, para combater o despovoamento e promover o desenvolvimento equilibrado e inclusivo dos nossos territórios. Um verdadeiro documento-marco para promover o desenvolvimento económico, o crescimento equilibrado e a garantia da qualidade na gestão dos serviços básicos da educação, saúde ou serviços de assistência social. Com isso, adicionalmente, avançamos no objetivo da igualdade de oportunidades também nos dois lados da fronteira, reforçando assim a abrangência de um verdadeiro espaço comum para todos os cidadãos.

A integração de políticas é protagonizada pelos governos; mas estes só avançam nesse caminho se sentirem o estímulo, a exigência dos cidadãos; somente quando a cooperação e a integração se desenvolveram na forma de empreendimentos comuns, de demandas sociais conjuntas, projetos culturais e sociais compartilhados; só quando as câmaras municipais e as autoridades regionais agem em conjunto, quando os representantes parlamentares partilham preocupações e respostas. Não integramos apenas governos, integramos sociedades.

As políticas integradas são o resultado da cooperação e do trabalho dos cidadãos e das instituições. E requerem também o debate, seguimento, controle e a orientação própria das assembleias parlamentares; através dos debates de cada uma das câmaras, e também, e de forma mais proveitosa, através do diálogo plural e público, parlamentar, entre elas. É esse o sentido do nosso trabalho no Fórum Parlamentar Hispânico Português, fruto do esforço conjunto dos nossos países em todas as suas áreas e especialmente a partir do estímulo do presidente da Assembleia, Ferro Rodrigues. É também isso que nos torna fortes.

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