Sementes pelo correio: como uma estratégia de marketing ameaça o ambiente e a agricultura

Se recebeu um pacote não solicitado com sementes, não as semeie nem coloque no lixo. O conteúdo não teve qualquer controlo, pelo que pode ter doenças e pragas. Há relatos de espécies invasoras entre as sementes enviadas aleatoriamente.

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As sementes que estão a chegar de vários países asiáticos não foram submetidas a qualquer controlo Nuno Ferreira Santos

O primeiro alerta chegou à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) há cerca de uma semana: havia pacotes não solicitados, com sementes no seu interior, a chegar a casa de algumas pessoas. Foi a confirmação de que tinha chegado a Portugal um fenómeno cujos primeiros casos tinham sido reportados, já este ano, nos Estados Unidos e no Canadá, e, entretanto, noutros países europeus. O Ministério da Agricultura emitiu, esta segunda-feira, um alerta: se recebeu um pacote destes, não semeie o seu conteúdo nem o deite no lixo. Os riscos são muitos, para a agricultura e para o ambiente.

O fenómeno não foi uma novidade para a subdirectora da DGAV, Paula Carvalho, que já estava a par de situações idênticas no continente americano e em países como a Alemanha e a Holanda. Nestes locais, já foram desenvolvidas investigações relacionadas com os misteriosos pacotes, provenientes de diferentes países asiáticos, e há já algumas conclusões sobre eles. “Este envio não terá que ver com qualquer intenção de bioterrorismo. Os países que têm os pacotes nas mãos e já fizeram as suas investigações concluíram que os pacotes estarão a ser enviados por empresas de venda pela Internet que, para terem uma boa classificação no que diz respeito ao volume de vendas e à satisfação dos clientes, enviam estes pacotes. Usam sementes porque são leves, o que reduz os custos de envio, e mandam-nos para pessoas que não os solicitaram, aparecendo muitas vezes identificados como jóias ou relógios. Quando os abrem, encontram as sementes”, explica.

As encomendas estão, por isso, a chegar à população em geral, e se tem algum hábito de compras pela Internet, terá mais probabilidade de ver chegar um destes pacotes à sua caixa de correio. O apelo (nunca é demais repeti-lo) é urgente: não as semeie e não as deite no lixo, porque “o pacote pode abrir-se ou deteriorar-se e libertar o conteúdo no ambiente”, explica Paula Carvalho. Se puder, entregue-as num dos serviços regionais da DGAV ou numa direcção regional de Agricultura e Pescas. Se não puder deslocar-se, envie o pacote pelo correio para a DGAV (DGAV, Campo Grande, 50 – 1700-093 Lisboa).

E isto porque os riscos potenciais para a agricultura e o ambiente, por parte destas sementes, são muito altos, explica a subdirectora da DGAV. “Estamos a falar de sementes que não vêm com o certificado fitossanitário, que é um documento emitido pela inspecção fitossanitária dos países de origem, que nos garante que aquela semente foi controlada. Não traz, porque não houve qualquer controlo. E, além das sementes, alguns pacotes trazem terra, restos de fungos, larvas mortas. Tudo isto pode veicular doenças e pragas que queremos evitar”, diz.

Doenças e espécies invasoras, que são outro problema do conteúdo destes pacotes não solicitados. A DGAV ainda não recebeu qualquer pacote dos que já chegaram a Portugal, para proceder à análise do seu conteúdo, mas as informações que chegam dos países que já lidam com este fenómeno há mais tempo deixam no ar vários alertas.

“A informação que temos dos outros países é que os pacotes contêm sementes de diversas espécies, algumas com características invasoras, como os jacintos-de-água, outras de laranjas ou diferentes citrinos, o que representa um risco fitossanitário muito grande. Se forem provenientes de árvores infectadas, as sementes podem transmitir essas doenças, além de que, como não foram controladas, podem trazer pragas associadas. Ao libertá-las no ambiente, podemos causar danos à nossa agricultura, à nossa floresta e prejudicar a saúde das plantas em geral”, diz Paula Carvalho.

Com as autoridades de diferentes países em alerta – até porque as sementes estão a ser recebidas por cidadãos comuns, e não por pessoas ligadas à área agrícola, mais despertas para os problemas que podem causar –, a esperança vem também das autoridades dos próprios países de origem dos pacotes, que estarão já a actuar no terreno para tentar travar o seu envio. “É um fenómeno crescente, à escala global, e as próprias autoridades dos países de onde os pacotes estão a ser enviados têm consciência dos riscos, e estão a tentar travar o envio. Há vários serviços de agricultura preocupados e esperemos que seja algo que se consiga travar”, diz a subdirectora da DGAV.

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