Município do Rio de Janeiro contratou funcionários para impedirem reportagens em hospitais

A câmara municipal diz que o objectivo é esclarecer a população. Oposição já pediu a abertura de um processo de destituição contra Crivella.

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Assembleia Legislativa decide quinta-feira se abre processo de impeachment de Marcelo Crivella Ueslei Marcelino/Reuters

Nas últimas semanas, os repórteres televisivos que faziam directos em frente aos hospitais do Rio de Janeiro começaram a notar um fenómeno preocupante: sempre que estavam a entrevistar utentes que se queixavam de algum problema, aparecia sempre um indivíduo a perturbar a conversa, nalguns casos chegando a haver agressões. Uma investigação revelada no início desta semana mostrou que se trata de um esquema coordenado ao mais alto nível pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro com o objectivo de impedir o escrutínio aos serviços de saúde da cidade carioca numa época especialmente sensível por causa da pandemia da covid-19. A oposição já apresentou um pedido para destituir o prefeito Marcelo Crivella, um pastor evangélico aliado do Presidente Jair Bolsonaro.

Os responsáveis pelos distúrbios são todos funcionários da câmara municipal, de acordo com documentos revelados pela RJTV, pertencente à Rede Globo, e coordenam-se a partir de um grupo no WhatsApp autodenominado Guardiões do Crivella. Um número telefónico usado pelo autarca está incluído nessa lista, assim como da secretária municipal de Saúde, da assessora de imprensa do prefeito e de outros elementos da cúpula da câmara.

No grupo, são enviadas escalas para que os funcionários estejam nas imediações de determinados hospitais durante parte do dia. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro não negou a existência da rede e disse tratar-se de um trabalho de “esclarecimento” dos cidadãos. Porém, várias reportagens interrompidas mostram esses funcionários apenas a prejudicar o trabalho dos jornalistas. Numa delas, um homem limita-se a gritar “Bolsonaro!” e chega a trocar injúrias com outra pessoa.

A descoberta deste esquema levou o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), de esquerda radical, a pedir a abertura de um processo de destituição de Crivella. A Assembleia Legislativa do Rio vai decidir na quinta-feira se avança com o procedimento. O vereador do PSOL, Tarcísio Motta, disse não ter dúvidas de se tratar de um “crime de responsabilidade” de Crivella. “Isso é desvio de finalidade, de funções públicas; é gente paga com dinheiro público para fazer coisas que não são atribuições do poder público”, afirmou.

A actuação da câmara municipal carioca foi recebida com um coro de críticas por parte de organizações de jornalistas e de defesa dos direitos humanos. A Federação Nacional dos Jornalistas acusou a câmara municipal de violar “princípios constitucionais, ao tentar impedir o livre exercício do jornalismo e o acesso da população a informações de interesse público”.

A Repórteres Sem Fronteiras condenou o que diz ser uma “flagrante violação dos direitos à liberdade de imprensa e de acesso à informação”.

Não é a primeira vez que Crivella é acusado de pôr em causa a liberdade de imprensa. Em Dezembro, chegou a proibir a presença de jornalistas da Rede Globo numa conferência de imprensa.

Um possível processo de destituição de Crivella deverá complicar ainda mais a já precária situação da política carioca, menos de uma semana depois do afastamento do governador Wilson Witzel por uma decisão judicial.

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