A máscara foi colocada, ou seja, caiu

Importa perceber que defender os direitos das pessoas negras não é atacar os direitos das pessoas brancas, do mesmo modo que — e estendendo esta premissa — defender os direitos das mulheres ou dos homossexuais não é retirar direitos aos homens ou aos heterossexuais

A imagem correu as redes sociais e as notícias. Um grupo de mulheres e de homens com máscaras brancas e tochas de jardim, ao modo improvisado dos encapuzados do Ku Klux Klan, juntou-se numa parada em frente da sede da associação SOS Racismo. Olha-se a imagem com incredulidade, pela gravidade do racismo que comporta, mas, ao mesmo tempo, por um decalque iconograficamente básico, e até confrangedor, da seita americana. O Ku Klux Klan surgiu nos Estados Unidos da América no último quartel do século XIX, precisamente no momento pós-Guerra Civil Americana, quando os negros libertos procuravam iniciar, dentro ainda de tanta desigualdade e limitação, uma nova vida. É conhecido, pouco tempo depois, em 1915, o célebre filme de David  Griffith, The Birth of a Nation, que se debruça precisamente sobre a Guerra Civil Americana. Os negros são representados por actores brancos com cara pintada e o Ku Klux Klan aparece como uma espécie de cavaleiros salvadores. O filme foi — e é — legitimamente criticado e, nestes aspectos, absolutamente reprovável. Contudo, torna-se complexo quando se trata de uma obra que, sob vários aspectos técnicos e estéticos, revolucionou o cinema. Mas a estética e a ética da obra de arte poderão ser matéria para uma outra eventual reflexão. Centremo-nos nos acontecimentos recentes.

Portugal sempre foi visto como o país de brandos costumes. Nos Descobrimentos fomos sempre menos maus do que os nossos companheiros espanhóis, mesmo que, com eles, tenhamos tido a prepotência de dividir o mundo ao meio, nesse Tratado de Tordesilhas (1494). A História sucedeu-se com uma ditadura que também se crê não ter sido tão nefasta como a italiana, a alemã ou o estalinismo, por exemplo. Não tivemos campos de concentração, mas manteve-se um regime colonialista e matou-se e silenciou-se muita gente num país pequeno, o que foi tremendamente grave. Tudo à luz de um moralismo paternalista, disfarçado de apologia ao trabalho, à família e à inclusão. Foi duro viver numa ditadura que, além da componente política que a caracterizou, foi ruralizada e se materializou num país geográfica e culturalmente periférico. Quer dizer, esta trilogia — ditadura, ruralização e periferia — foi, entre nós, absolutamente nefasta. Os totalitarismos — tanto à direita como à esquerda — assentam no medo. No medo, sobretudo, de perder privilégios, direitos, regalias. Todas as revoluções se ancoram, primeiramente, na necessidade de mexer no velho para implantar o novo.

A chamada de atenção para os direitos das pessoas negras, denunciando diversas formas de racismo, fez precisamente vir à tona o racismo, concretizado nestas paradas e noutras tantas atitudes, inclusivamente no hemiciclo da Assembleia da República. O que é condenável. Importa perceber que defender os direitos das pessoas negras não é atacar os direitos das pessoas brancas, do mesmo modo que — e estendendo esta premissa — defender os direitos das mulheres ou dos homossexuais não é retirar direitos aos homens ou aos heterossexuais, ou ainda, defender os direitos dos animais não é retirar direitos aos humanos. É perceber que é fundamental defender aqueles que, por motivos diversos, se encontram em situação de necessitar de apoio, condenando todo o tipo de discriminação e violência. Só a partir daqui a coisa se poderá compor.

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