Estudo revela que crianças com acesso a mais espaços verdes têm QI mais elevado

Problemas comportamentais diminuem quanto mais espaços verdes existirem à volta dos mais novos. Em Portugal, é preciso não descuidar a manutenção, lembra geógrafo.

Foto
Estudo da Universidade de Hasselt, na Bélgica, foi o primeira a relacionar espaços verdes com testes de QI PAULO PIMENTA

Crescer num ambiente urbano com mais áreas verdes estimula a inteligência das crianças e diminui os níveis de problemas comportamentais. É o que conclui um estudo da Universidade de Hasselt, na Bélgica, publicado na revista Plos Medicine, noticia o Guardian. A análise de uma amostra de mais de 600 crianças entre os dez e os 15 anos mostra que um aumento de 3% nas áreas verdes das zonas urbanas onde vivem leva a um crescimento de 2,6 pontos na média obtida nos testes de Quociente de Inteligência (QI). Esse efeito, conclui o estudo, verifica-se tanto em zonas mais ricas como mais pobres.

Não é a primeira vez que se faz a ligação entre melhores indicadores cognitivos das crianças e zonas verdes, mas este é o primeiro estudo que analisa os testes de QI. A causa dessa relação, porém, não é certa, mas deve estar ligada a níveis mais baixos de stress, mais contacto social e brincadeira e um ambiente mais tranquilo. O aumento pontual nos testes de QI foi particularmente significativo, revelam os investigadores, para as crianças que se encontram mais abaixo no espectro, onde pequenos aumentos fazer uma maior diferença.

“Há cada vez mais evidências que as zonas verdes estão associadas às funções cognitivas, como a memória e a atenção”, declara Tim Nawrot, professor de epidemiologia ambiental na universidade onde o estudo foi realizado, citado pelo Guardian. “Com este estudo”, continua o investigador, “adicionou-se a questão dos testes de QI, uma medição clínica bem estabelecida”.

Por isso, para o investigador, os responsáveis pelo planeamento urbano “devem dar prioridade ao investimento em espaços verdes porque é realmente de maior valor no que toca a criar um ambiente óptimo para que as crianças se desenvolvam de acordo com o seu potencial”.

Parques, jardins, árvores nas ruas e outros tipos de vegetação urbana entram nas contas dos investigadores no que toca ao cálculo da área das zonas verdes, medida através de imagens de satélite.

A média obtida nos testes de QI foi 105, mas 4% das crianças que cresceram com menores níveis de vegetação pontuaram abaixo dos 80, enquanto nenhuma das crianças com acesso a mais zonas vezes teve resultados tão baixos. Embora estes resultados não sejam replicados em zonas suburbanas ou rurais, Tim Nawrot atribui tal ao facto desses lugares já terem áreas verdes suficientemente grandes para que os benefícios se verifiquem.

Potenciar relações

Mas não é só na inteligência que se vêem as diferenças. Problemas comportamentais como falta de atenção e agressividade também diminuem quantos mais espaços verdes as crianças tiverem acesso. Não tendo encontrado relação com questões financeiras, escolarização dos pais ou problemas de poluição, os investigadores sugerem que níveis mais baixos de ruído e menos stress – causas já encontradas noutros estudos similares – e mais oportunidades para relações sociais e actividade física podem explicar os resultados obtidos.

“Eu sou sempre cauteloso no uso do termo inteligência porque tem uma história problemática e associações infelizes”, começa por alertar Mathew White, profissional ligado à psicologia ambiental na Universidade de Exeter, no Reino Unido, ao Guardian. “Apesar de tudo, este estudo até pode ajudar-nos a afastar da forma como vemos a inteligência como sendo inata. Pode ser influenciada pelo ambiente e acho isso bastante mais saudável” remata o especialista.

Embora considere razoável sugerir que mais exercício e menos stress podem ser as razões por detrás dos resultados, diz não ter a certeza “porque é que a inteligência poderia ser estimulada por isso”. Assim, a sua aposta é que “os testes de inteligência medem, na verdade, a capacidade de uma criança se concentrar e focar numa tarefa, o que tem realmente relação com os espaços verdes, de acordo com vários estudos”.

Portugal melhora nos espaços verdes

Quanto aos espaços verdes, Portugal tem dado passos no caminho certo, analisa Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. “Há uma maior consciencialização da importância dos espaços verdes e tem havido uma preocupação em criar espaços com características diferentes dos que existiam no passado”, afirma o investigador.

Entre os exemplos de boas práticas no país, Jorge Malheiros refere “conceitos muito interessantes” das autarquias junto dos cursos de água que ainda se encontra nas cidades, criando espaços de fruição que potenciam actividades lúdicas, desportivas, mas também de conhecimento do património, quando são recuperados equipamentos históricos ou instalados outros explicativos.

O investigador lembra o caso da Quinta das Conchas, no Parque do Lumiar, em Lisboa, que sofreu “um tratamento muito interessante” e cujos programa de actividades que ali se desenvolvem, como cinema ao ar livre ou actividades para os mais novos, “ajudam a tornar o espaço em algo mais vivido, que proporciona uma oferta cultural mais organizada e o encontro social de pessoas que, de outra forma, talvez não se encontrassem”.

Ainda assim, “as coisas não estão tão consolidadas” como noutros países, algo que Jorge Malheiros atribui à história da valorização dos espaços verdes no estrangeiro e que, por isso têm mais oferta. Além disso, o clima seco no período de Verão em Portugal dificulta a manutenção, aponta.

O facto, reitera o geógrafo, é que “os hábitos dos portugueses mudaram” no sentido de que percebem que uma vida mais saudável está relacionada com práticas ao ar livre e isso é “fundamental no sentido de pressionar para se aumentar a oferta de espaços públicos de qualidade e de espaços verdes”. A pandemia, analisa, terá pressionado ainda mais essa mudança.

Porém, há um problema chamado “manutenção”. “O desinvestimento público tem significado, em alguns casos, o deixar deteriorar de alguns espaços públicos e dos seus equipamentos”, lamenta. Embora reconheça os esforços de algumas autarquias, diz ser preciso chamar atenção para o problema já que, muitas vezes, “ter desinvestimento nestas estruturas significa perdê-las”. “Fizemos um trajecto importante e de facto houve melhorias”, admite, “mas a questão da manutenção é crucial e muitas vezes tem mais custos do que construir”.

Sugerir correcção