Covid-19: cientistas pedem auditoria “independente” em Espanha para perceber o que falhou

Especialistas apontam algumas possíveis causas para o elevado número de casos em Espanha e pedem uma investigação à gestão do Governo de Pedro Sánchez “para preparar o país para novas vagas de covid-19”.

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Foram detectadas 47 infecções num lar em San Martin de la Vega, em Madrid David Fernandez/EPA

Um grupo de 20 prestigiados especialistas em saúde pública e epidemiologistas espanhóis publicaram uma carta na revista científica The Lancet a pedir uma auditoria “independente e imparcial” à gestão do covid-19 por parte do Governo de Espanha.

Desde o início da pandemia, segundo os dados da Universidade Johns Hopkins, Espanha registou mais de 309 mil infecções por SARS-CoV-2 e pelo menos 28.500 mortes por covid-19. Nas últimas semanas, o número de novos casos tem vindo a subir substancialmente e, só nas nas últimas 24 horas, o país registou mais 1683 infecções, estando activos 580 surtos que afectam 6900 pessoas, segundo os dados do Governo.

“Como é possível que Espanha se encontre, agora, nesta situação?”, questionam os especialistas, sublinhando que o país “tem um dos melhores serviços de saúde do mundo”.

Na carta, os especialistas referem que, desde o início da pandemia, mais de 50 mil profissionais de saúde foram infectados e mais de 20 mil mortes registaram-se em lares de idosos. Além disso, alertam para um excesso de mortalidade de 44 mil pessoas.

Actualmente, Espanha é o oitavo país do mundo – numa lista liderada pelos Estados Unidos – com o maior número de mortes por covid-19. No entanto, segundo as contas do El País, apresenta uma mortalidade por cada 100 mil habitante (61 mortes) superior aos países vizinhos, como Portugal (16), França (45) e Itália (58).

Os subscritores da carta pedem, por isso, “uma avaliação independente e imparcial por um painel de especialistas internacionais e nacionais, centrando-se nas actividades do Governo central e dos governos das 17 comunidades autónomas”.

Garantem que não se trata de uma questão política – “é muito importante que não se politize a análise” –, mas sim de uma necessária “avaliação abrangente dos sistemas de saúde e de assistência social para preparar o país para novas vagas de covid-19 ou pandemias futuras”.

“Agora que a situação não é tão difícil como no início [da pandemia], é importante que saibamos o que aconteceu, principalmente para estarmos preparados para uma possível segunda vaga no Outono”, afirmou Helena Legido-Quigley, especialista em saúde pública da Escola de Higiene e Medicina Tropical, em Londres, e uma das impulsionadoras da carta, ao El País.

Os signatários da carta defendem uma auditoria a três áreas: governação e tomada de decisões, consultoria científica e técnica, e capacidade operativa.

Entre as possíveis explicações para o elevado número de casos e mortes, os especialistas apontam para a “falta de preparação para uma pandemia”, “reacção tardia por parte das autoridades centrais e regionais”, “lentidão nos processos de tomada de decisão”, “envelhecimento da população”, existência de “grupos vulneráveis que enfrentam desigualdades sociais e de saúde” e “falta de preparação nos lares”. Estes problemas, denunciam, foram “exacerbados pelos efeitos da década de austeridade que deixaram a força laboral sanitária exausta e reduziram as capacidades do sistema de saúde”.

Sublinhando que instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS) ou países como a Suécia já anunciaram uma auditoria independente à gestão da covid-19, os signatários da carta apelam ao Governo liderado por Pedro Sánchez para “considerar a avaliação como uma oportunidade que poderia levar a uma melhor preparação perante uma pandemia, prevenir mortes prematuras e construir um sistema de saúde resistente, com evidência científica no seu núcleo”.

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