Em São Paulo, aumentam os sem-abrigo. Médicos, enfermeiros e motoqueiros olham por eles

Cerca de 60 médicos e enfermeiros voluntários da organização brasileira Médicos do Mundo, em parceria com um motoclube local, dedicam o seu tempo ao cuidado da (crescente) população sem-abrigo da cidade de São Paulo, no Brasil. O fotógrafo Luca Meola acompanhou a realização dos primeiros testes à covid-19.

©Luca Meola
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Ao caminhar pelo centro de São Paulo, a grande metrópole brasileira que tem o dobro da população portuguesa, o fotógrafo italiano Luca Meola não tem dúvidas em afirmar: "Posso jurar que, actualmente, há muito mais pessoas sem-abrigo no centro de São Paulo do que antes [da pandemia]", refere em entrevista ao P3, via WhatsApp. Luca reside na "cidade da garoa" há seis anos e a sua percepção da realidade não se encontra, de todo, desfasada; já em Maio os serviços de atendimento voluntário da cidade confirmavam ao Globo que estavam a assitir a um disparo substancial no número de pessoas sem tecto – facto que muitos percepcionam como um "desastre à espera de acontecer".

"A prefeitura de São Paulo não está a testar esta população, por isso não existe percepção científica sobre o que está a acontecer", explica Meola. Não existia nenhuma acção concertada no sentido de testar para a covid-19 os sem-abrigo de São Paulo até ao momento em que a organização não-governamental brasileira Médicos do Mundo finalmente conseguiu, a 1 de Agosto de 2020, ter acesso aos testes e passar à acção no terreno. A acção Força Tarefa de Catástrofes, levada a cabo por mais de 60 médicos e enfermeiros em parceria com membros do motoclube Insanos MC – que organizam os pacientes e distribuem cerca de 500 refeições diariamente –, realizou, no fim-de-semana, os primeiros testes à covid-19 a esta população. Os resultados só serão conhecidos dentro de alguns dias.

"A organização Médicos do Mundo, com a ajuda dos voluntários do motoclube, montou uma clínica improvisada junto a uma praça onde muitas pessoas pernoitam, no centro de São Paulo", explica o fotógrafo que acompanhou toda a acção. "Para além dos testes à covid-19, também testam outras doenças, como o HIV, a sífilis, a hepatite B e C, a a BHCG e clamídia. E prestam cuidados médicos a pessoas sem-abrigo que têm doenças várias, tratam feridas ou aliviam dores de dentes." Luca gostou particularmente de estar presente. "Estes voluntários, médicos e motoqueiros tratam as pessoas com muito cuidado. São acolhedores, cuidadosos, carinhosos. Tratam-nas como indivíduos e não como números, como alguém se sente, por vezes, num hospital. Quem vive na rua sente-se abandonado, negligenciado e este cuidado fá-las sentir-se melhor."

Quando os testes a qualquer doença têm resultado positivo, os médicos voluntários esforçam-se por encontrar o paciente e encaminhá-lo para um hospital, onde será tratado. A ausência de testes à covid-19 entre a população sem-abrigo torna opaca, imperscrutável, a realidade que experienciam. "Na rua e nas favelas a realidade pouco mudou, face à covid-19. É como se não existisse o vírus. As pessoas andam sem máscara, não existem cuidados de desinfecção ou de distanciamento social. E como não existem dados relativos às mortes, não se analisa quem morre, não se sabe se aqueles que morreram de outras doenças tinham o vírus. Ou se morreram por causa dele."

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