Os novos e velhos burlões

Nada como uma pandemia – seja ela em que século for – para mostrar o lado mais nebuloso do mundo.

“Mas eu considero mais importante amar o mundo, não o desprezar, não odiar nem me odiar, observá-lo, a mim e a todos os seres com amor e admiração e respeito” 
Siddharta, Hermann Hesse

Subscreveria, com as devidas excepções, pois, não raro, esta danada natureza humana está muito longe de poder merecer o que o Sábio de Hermann Hesse referia ao considerar mais importante o que vai supratranscrito. Mais importante é certamente, mas é possível?

Nada como uma pandemia – seja ela em que século for – para mostrar o lado mais nebuloso do mundo.

Com as pandemias vêm os especuladores, os falsos negociantes, os “profetas”, os adivinhos, os charlatães e ditos videntes, aparece de tudo, para além da utilização, nos nossos dias, de meios mais sofisticados.

Para citar um exemplo, segundo foi noticiado, a Polícia Judiciária deteve cinco pessoas em “clínicas médicas”, por suspeitas de burla, considerando que estas, alegadamente, tentaram convencer os seus clientes de que a ozonoterapia (medicina alternativa que se baseia na introdução de ozono no corpo) é eficaz no tratamento da covid-19. Acresce, sempre segundo o que foi noticiado, que as ozonoterapias eram realizadas por profissionais não-habilitados.

Há burlas praticadas com recurso a SMS convidando à realização de testes à covid-19, alertam as autoridades.

Temos nota de campanhas – sobretudo nas redes sociais – pedindo donativos para compra de material médico utilizando imagens, por exemplo, da Unicef, de ofertas especiais para curar a covid-19 mediante determinada quantia. Burlas, claro.

Centros de investigação de vacinas para a covid-19 sofrem ciberataques tendo em vista furtar dados de investigação para a vacina e cura para o dito vírus. Foram atacados laboratórios de pesquisa, hospitais, empresas farmacêuticas, etc.. Agora os próprios profissionais de saúde são objecto de ataques individuais. Objectivo destes ciberataques e campanhas fraudulentas? Obviamente, o alarme social, que garantirá o lucro. É que a desinformação ajuda, o desespero e o medo também.

E, depois, não há como aproveitar a ingenuidade, a infeliz ignorância ou a nova crendice neste admirável mundo novo das também elas “novas” tecnologias. E há as crendices antigas. Pelos vistos, as orgias regressam no seu desvario delirante, celebrando uma espécie de fim do mundo. Onde é que já vimos isto? Pura decadência, quando se imporia resistência, resguardo e exemplo.

Estamos todos muito cansados, pelo menos a maioria que cumpre regras, respeita os outros.

A tentação de quem não cumpre regras e que se julga acima de contágios e de escrutínios (quer em termos de pandemia ou de outros, designadamente económicos, políticos, etc.), em breve terá a resposta bruta que todas as pandemias geram, a qual, infelizmente, não recairá apenas sobre aqueles.

Não contribuiu a Peste Negra para a Guerra dos 100 Anos?

Se o que Siddharta considera mais importante – e é – fosse possível...

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