Japonês da Federal: a síntese da Lava Jato

A história do policial símbolo do combate à corrupção no Brasil (mesmo a vestir pulseiras eletrónicas de vigilância)

Depois de vários anos de existência, a Lava Jato provou-se um movimento político. Sérgio Moro, o juiz da operação, largou a toga, virou ministro e agora é possível pré-candidato às eleições presidenciais de 2020. Além disso, as inúmeras descobertas jornalísticas daVaza Jato (sequência de reportagens do The Intercept Brasil, veículo comandado pelo prémio Pulitzer, Glenn Grennwald), mostrou que a operação contou com um “juiz-acusador”, com a participação direta de membros do FBI, protegeu bancos, poupou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, duvidou das provas colhidas para acusar Lula da Silva, impediu entrevistas de Lula com receio de colaborar com a eleição do candidato do Partido dos Trabalhadores, entre tantos outros fatos que serviriam para inúmeras colunas de opinião aqui no PÚBLICO. No entanto, nada sintetiza mais a Lava Jato, de maneira popular e simples, do que a história de um homem: Newton Ishii, o Japonês da Federal.

Newton Ishii é um policial federal reformado, que até 2018 era um dos principais rostos da Lava Jato. De cabelo grisalho, fisionomia oriental e óculos escuros, Ishii ganhou notoriedade popular por conduzir diversos suspeitos à prisão. Não demorou para essa figura gerar curiosidade, ganhar fama e ostentar seu nome artístico: o “Japonês da Federal”.

Dentro das turbulências políticas e do povo brasileiro que não dispensa um ‘meme’, Ishii virou celebridade. “Ai meu Deus, me dei mal, bateu na minha porta o “Japonês da Federal”, entoava uma das principais marchinhas do Carnaval de 2016. Para se ter noção da fama do policial, apenas uma das maiores fábricas de máscaras do Rio de Janeiro vendeu 25 mil unidades da fantasia do “Japonês da Federal”. Um sucesso absoluto para um policial que era investigado desde 2003.

A própria Polícia Federal o cita num inquérito que investiga o contrabando pela fronteira Brasil-Paraguai, em Foz do Iguaçu. Segundo o órgão, 28 pessoas estavam envolvidas no esquema de facilitação de transporte ilegal de mercadorias. Do total, 24 já foram condenadas, a incluir o Newton Ishii.

Na última semana, a Justiça Federal do Paraná reafirmou a sentença e, além da perda do cargo, exigiu que Ishii pague uma multa no valor de 200 mil reais (por volta de 32 mil euros). Segundo o juíz Sérgio Luis Ruivo Marques, a conduta do Japonês da Federal foi de “extrema gravidade, com afronta direta a dignidade da função pública por ele exercida”. De acordo com as investigações, Ishii utilizava-se do aparato institucional para facilitar o contrabando.

No entanto, você reparou que eu utilizei o verbo “reafirmar” no último parágrafo? Sim, porque o “Japonês da Federal” estava sentenciado desde 2016, quando chegou a ser preso pelos delitos. Fato que nos leva à parte mais curiosa de toda essa história: um mês depois da sentença que o condenara a quatro anos e dois meses no regime prisional semiaberto (no qual o condenado passa madrugada e finais de semana em casa), o Japonês da Federal, a usar uma pulseira eletrónica de vigilância, estava novamente a trabalhar. Desta maneira, Newton Ishii reapareceu nas imagens da prisão de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, uma das empreiteiras protagonistas nos casos de corrupção. Sentenciado e vigiado pela Justiça, o Japonês da Federal conduziu outro suspeito até a prisão.

As palestras e um livro
Quase dois anos depois, em 2018, após 43 anos de serviços prestados, Newton Ishii aposentou-se da Polícia Federal. Apesar da sentença da última semana exigir que ele perca o cargo, a justiça brasileira ainda irá definir se o gozo do benefício da aposentadoria será extinto ou não. Segundo informações do veículo jornalístico G1, o “Japonês da Federal” manteve uma remuneração bruta mensal de R$17.039,24 (por volta de 2.700 euros) nos últimos meses de trabalho.

Ainda em 2018, depois de se afastar da função de policial federal, Ishii tornou-se político. Ele se filiou no Patriotas e, instantaneamente, virou o presidente da regional do Paraná. “Você imagina uma pessoa de 60 e poucos anos, que foi aposentado na Polícia Federal. Quem é que não quer um homem desses?”, disse Adilson Barroso, ainda presidente nacional do partido.

Newton Ishii seria candidato a deputado federal, mas desistiu por ser previsível que negassem a candidatura de um condenado da justiça. “Por ter pegado essa fama tão grande no país, estão com medo de ele ser candidato à presidência”, explicou Barroso na época, ao tentar justificar uma possível aceleração de condenação de Ishii. Assim, ainda vendido com a imagem de um combatente da corrupção, o “Japonês da Federal” participou da campanha eleitoral de 2018 a pedir votos para os colegas de partido. Com menos de cinco segundos de espaço na propaganda eleitoral, Ishii usou seus tradicionais óculos escuros e relembrou quem era: o “Japonês da Federal”.

Mais recentemente, Newton Ishii virou palestrante. De roupa social, mão nos bolsos e novamente – os tradicionais óculos, o “Japonês da Federal” oferece “palestras motivacionais para a sua empresa”, como cita o cartaz promocional. Segundo informações da revista Veja, Ishii cobra cerca de 20 mil reais (por volta de 3,25 mil euros) por palestra. No YouTube é possível encontrar vídeos onde Ishii participa de encontros e discussões.

“Ai meu Deus, que legal, agora virou coach o Japonês da Federal” é uma marchinha, que também pode ser encontrada no YouTube, a satirizar a nova profissão de Ishii.

Vale destacar que, ainda em 2018, o Japonês da Federal lançou um livro. “O Carcereiro: O Japonês da Federal e os presos da Java-Lato” vendeu mais de 10 mil cópias nos primeiros seis meses. Na publicação de 263 páginas, Ishii promete contar todos os bastidores da operação policial que o levou aos holofotes. Curiosamente, com a aposentaria em 2018, Ishii não teve a chance de utilizar a prisão de Lula, que seria preso meses depois, como chamariz para o livro.

Newton Ishii é um belo resumo de toda a operação Lava Jato: uma tragicomédia. Longe do glamour de Sérgio Moro ou dos procuradores do Ministério Público, ele é um exemplo daqueles que ultrapassaram as funções para eles destinadas, decidiram migrar para o campo político e, por fim, também viraram palestrantes. O “Japonês da Federal” é apenas um daqueles que ostentavam o heroísmo de combater a corrupção enquanto, na verdade, orquestravam um plano maior.

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