Aceitemos a realidade… a acupuntura não funciona

A “lógica” de colocação de agulhas ao pé de nervos para obtenção de determinados efeitos terapêuticos (teoria aceite pelos proponentes da acupuntura “médica”) até teria alguma plausibilidade biológica para o tratamento de algumas condições. Mas, como demonstrado, tal lógica não foi comprovada pelos estudos clínicos de melhor qualidade.

Apesar de toda a propaganda na promoção desta técnica terapêutica, sabemos há décadas que a acupuntura não funciona. Banida em 1822 pelo Imperador Chinês Dao Guang, ressurgiu com força em 1949 pela mão de Mao Zedong como uma forma de afirmação da cultura chinesa. É mais que sabido, pelos registos do médico de Mao Zedong, que ele não acreditava na acupuntura e recusava os tratamentos tradicionais, insistindo em ser tratado pela “Medicina Ocidental” quando se encontrava doente.

Na realidade, aquilo que é considerada “acupuntura” nos dias de hoje é muito diferente da terapia “milenar” que supostamente a iniciou. Os primeiros textos médicos chineses não referem a sua existência. A menção mais antiga que existe acerca da utilização de agulhas, segundo Paul Unschuld, é de 90 a.C., mas refere-se à utilização de agulhas grandes ou lancetas feitas de osso e pedra para lancetar abcessos, realizar cauterizações ou sangrias. Os primeiros diagramas das linhas no corpo referentes à acupuntura correspondem, na realidade, às veias que são visíveis e não aos “meridianos” ou canais de fluxo de energia. Supostamente seriam guias para a execução de sangrias.

O primeiro registo ocidental sobre a acupuntura conforme é conhecida hoje em dia é de Wilhelm Ten Rhijn, em 1680. Não há descrição de pontos de acupuntura. Apenas refere que agulhas grandes e douradas eram introduzidas no crânio ou no “baixo ventre” e deixadas lá durante 30 respirações.

Apesar disso, Mao Zedong foi brilhante na forma como promoveu a acupuntura e a restante Medicina Tradicional Chinesa. Juntando várias “Medicinas Tradicionais Chinesas” e fazendo revisionismo histórico, conseguiu transformar práticas tradicionais dispersas e contraditórias em algo coerente.

Um dos nomes mais importantes nesta transformação foi Cheng Dan´an, médico que estudou no Japão e que propôs a recuperação da acupuntura, já que a sua ação poderia ser explicada pela neurologia. Tendo como base o conhecimento de anatomia e fisiologia, Dan’an reposicionou os pontos desviando-os dos vasos sanguíneos e por forma a coincidir com as vias nervosas. Ou seja, os pontos de acupuntura atuais não são os pontos tradicionais utilizados, supostamente, durante centenas de anos. Tais pontos não foram estudados relativamente à sua eficácia terapêutica, mas apenas com base na teoria de Dan´an. 

A expansão massiva para o Ocidente da acupuntura e da restante Medicina Tradicional Chinesa parece ter-se iniciado com a visita do Presidente Nixon à China, em 1972. Este foi acompanhado por um jornalista, James Reston. Na China, Reston teve uma apendicite e foi submetido a uma apendicectomia. No pós-operatório, Reston foi sujeito a acupuntura por desconforto gastrointestinal, possivelmente devido a distensão intestinal, ocorrência frequente após cirurgias deste género. O desconforto desapareceu após uma hora, o que também não é nada de estranho que aconteça com ou sem acupuntura.

Mas as notícias do tratamento com acupuntura viajaram o mundo, com relatos que esse tratamento místico teria servido para operar Reston sem anestesia ou para lhe tratar as dores. O que é falso.

No entanto, os relatos continuaram a surgir a mando da propaganda chinesa. Chegavam histórias ao Ocidente sobre a eficácia da acupuntura para tratar um pouco de tudo, até para tratar surdez. Aos poucos, a acupuntura infiltrou-se no Ocidente e tornou-se mais uma ferramenta da medicina popular que nunca mais foi abandonada e continua a ser socialmente aceite.

No entanto, a ciência conta outra história

Desde a sua massificação que a acupuntura foi extensamente estudada. O American Medical Association Council, em 1981, e o National Council Against Health Fraud, em 1990, concluíram que a acupuntura não tinha qualquer base científica. Este último refere que “as investigações dos últimos 20 anos não tinham provado que a acupuntura fosse eficaz para qualquer tipo de tratamento”.

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Em 2017 foi aprovada a primeira licenciatura em acupunctura em Portugal Nuno Ferreira Santos

Em 2006 foi publicada uma revisão sistemática de revisões sistemáticas referentes a todas as revisões publicadas entre 1996 e 2005, referindo que “não fornecem evidências sólidas de que a acupuntura funcione para qualquer indicação”. 

No início de 2009, o British Medical Journal publicou uma análise da acupuntura no tratamento da dor, com resultados desencorajadores: “Foi encontrado um pequeno efeito analgésico da acupuntura, o que parece não ter relevância clínica e não pode ser claramente distinguido de vieses. Se a agulha nos pontos de acupuntura ou em qualquer local reduz a dor de forma independente do impacto psicológico do ritual terapêutico, tal não está claro.”

Em 2011, a revista Pain publicou um rigoroso estudo e um duro golpe científico à acupuntura, concluindo que há “poucas evidências verdadeiramente convincentes de que a acupuntura é efetiva na redução da dor” ou qualquer outra coisa.

Em 2013 foi publicada uma revisão sistemática de revisões sistemáticas, concluindo que “existe evidência insuficiente para fazer recomendações positivas” na área da dor crónica para a acupuntura.

No mesmo ano foi publicado um artigo na prestigiada revista Anesthesia & Analgesia que concluiu que a acupuntura é inútil e após mais de 3000 estudos seria hora de deixar de gastar dinheiro a estudar inutilidades. Deixo um excerto do artigo:

“Os melhores estudos controlados mostram um padrão claro, com acupuntura o resultado não depende da localização da agulha ou mesmo da inserção da agulha. Como essas variáveis ​​são aquelas que definem a acupuntura, a única conclusão sensata é que a acupuntura não funciona. Tudo o resto é o ruído esperado dos ensaios clínicos, e esse ruído parece particularmente alto na pesquisa em acupuntura. A conclusão mais parcimoniosa é que com a acupuntura não há sinal, apenas ruído.”

Um dos grandes trunfos dos promotores desta pseudociência é o relatório da Organização Mundial da Saúde sobre a utilidade da acupuntura para o tratamento de dezenas de patologias. No entanto, esse relatório foi retirado em 2014 devido à produção de evidência que claramente contrariava a sua posição.

Em 2016, a acupuntura foi oficialmente retirada das diretrizes da NICE para o tratamento da dor lombar, com a recomendação de “não oferecer”.

Em 2018 foi realizado um relatório Australiano extensíssimo sobre acupuntura, concluindo que “A acupuntura é estudada há décadas e as evidências de que ela pode fornecer benefícios clínicos continuam a ser fracas e inconsistentes. Não há justificação para mais estudos. Já existe evidência suficiente para concluir com confiança que a acupuntura não funciona. É apenas um placebo teatral baseado em mitos e evidências pré-científicas. (…) Não há lugar para acupuntura na medicina.”

Em 2020 foi publicada uma nova síntese de revisões sistemáticas relativamente à utilização da acupuntura para a dor crónica, concluindo que “grande quantidade de [ensaios clínicos randomizados] sobre acupuntura para dor crónica contidos em revisões sistemáticas fornecem evidências conflitantes e inconclusivas, devido em parte a deficiências metodológicas recorrentes”.

Também em 2020, o professor Edzard Ernst fez uma revisão das 54 revisões sistemáticas publicadas pela Cochrane sobre acupuntura. A Cochrane será das instituições mais reputadas internacionalmente na avaliação da evidência científica produzida na área da saúde. O professor Edzard Ernst conclui que “dificilmente existe uma condição para a qual a acupuntura seja clara, convincente e indiscutivelmente eficaz”.

Conclusão

Não há forma de a acupuntura funcionar para lá do placebo. A sua base filosófica místico-mágica baseada nos conceitos de Qi e Meridianos são uma farsa sem qualquer comprovação científica e completamente desligada da realidade.

A “lógica” de colocação de agulhas ao pé de nervos para obtenção de determinados efeitos terapêuticos (teoria aceite pelos proponentes da acupuntura “médica”) até teria alguma plausibilidade biológica para o tratamento de algumas condições. Mas, como demonstrado, tal lógica não foi comprovada pelos estudos clínicos de melhor qualidade.

É hora de abandonar a acupuntura. Instituições como a Ordem dos Médicos e a Assembleia da República não deveriam dar validade à pseudociência, apenas enganando as pessoas que se guiam por falácias de autoridade. É negligenciar o seu papel regulador. É deixar de trabalhar para o bem do cidadão comum. E, pior... permitindo este tipo de cursos em Instituições de Ensino Superior, é condenar jovens a uma vida de charlatanice.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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