Depois de 40 anos, o Inesc continua a querer ser uma “fábrica do futuro”

Começa esta segunda-feira uma série de três conferências para assinalar os 40 anos do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (Inesc). Espreitamos também o trabalho do instituto através de cinco projectos.

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Projecto do Inesc Tec quer tornar os sistemas de produção mais flexíveis para os fábricas do futuro DR

Este ano, o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (Inesc) sopra 40 velas. Para assinalar este aniversário, há três conferências. Com o tema “Capacitar as empresas para os novos desafios”, esta segunda-feira, às 14h30, decorre a primeira dessas três conferências na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Os oradores estarão em palco e os participantes podem assistir online através do Zoom, bem como no site do PÚBLICO, que é parceiro mediático destas conferências.

A principal oradora da conferência desta segunda-feira será Elisa Ferreira, comissária europeia para a Coesão e Reformas. Depois de um painel de empresários, haverá a participação de José Tribolet (presidente do Inesc) e de Manuel Heitor (ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior). A 8 de Outubro realizar-se-á uma sessão na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, com o tema “A capacidade de criação de novas empresas de base tecnológica”. Carlos Moedas, da Fundação Calouste Gulbenkian, será o principal orador. A 23 de Outubro a conferência decorrerá em Coimbra com o tema “A relação com o mundo académico” e como oradora principal a eurodeputada Maria Manuel Leitão Marques.

Agora, façamos uma pequena viagem pelos 40 anos do Inesc. Em 1980, em Lisboa, nascia o Inesc – detido 50% pelo Instituto Superior Técnico e a Universidade Técnica de Lisboa e 50% pelas operadoras CTT e Telefones de Lisboa e Porto. Cinco anos depois, a Universidade do Porto junta-se à componente académica e é criado o primeiro pólo fora de Lisboa. Por isso, este ano comemoram-se também os 35 anos do Inesc no Porto. Em 1998, autonomiza-se como instituição própria e muda a sua designação para Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Inesc Tec). O Instituto Politécnico do Porto e as universidades do Minho e de Trás-os-Montes e Alto Douro juntam-se como associadas.

Voltando aos anos 80, criaram-se pólos do Inesc em Aveiro, em Coimbra e Braga (na Universidade do Minho, que mais tarde veio a abandonar o Inesc). As universidades de Aveiro e Coimbra associam-se ao Inesc. Nos anos 90, a Universidade de Aveiro sai do Inesc, mas é criado o Inesc Coimbra, bem como três unidades em Lisboa: o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento em Lisboa (Inesc ID), o Inov Inesc Inovação e o Inesc Microssistemas e Nanotecnologias.

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Inesc ID, em Lisboa DR

“O Inesc nasceu em 1980, em Lisboa, e constituiu-se desde logo como um modelo de referência na relação universidade-indústria, tendo influenciado significativamente a estrutura científica e tecnológica do país”, afirma, em comunicado, José Tribolet. “[Esta segunda-feira] vamos discutir esta experiência de décadas, o impacto do Inesc no mundo empresarial e também os desafios que as empresas, a sociedade e o país que vão encontrar no futuro, alguns dos quais já são hoje uma realidade.”

A propósito do futuro, José Manuel Mendonça, presidente do Inesc Tec, reflecte: “A forma como a tecnologia, a sociedade e a economia têm evoluído tem sido vertiginosa. Imaginar 40 anos daqui para a frente leva-nos a apostar na ficção científica”, nota. “Podemos olhar para o futuro já agora, o desafio que vem depois de amanhã.” Olhemos, pois, para projectos do Inesc e como as suas áreas poderão ser no futuro. 

Fusão entre robôs e humanos

O objectivo do projecto europeu Scalable 4.0 era desenvolver sistemas de automação escaláveis (flexíveis) – daí o nome do projecto. Para isso, teve dois casos de estudo: a empresa portuguesa Simoldes Plásticos e a fábrica da Peugeot Citroën, do grupo PSA, em Trémery (França). A Simoldes Plásticos sofria de subautomação, porque tinha uma grande diversidade de produtos e não era rentável investir na robotização tradicional. Já a Peugeot Citroën sofria de sobre-automação, pois muitas vezes a robotização nas linhas de montagem era maior do que a necessária em períodos de menor procura – como aconteceu durante a actual pandemia.

Ao longo de 42 meses, este projecto coordenado pelo Inesc Tec tentou encontrar formas de robotização mais flexíveis que permitissem a quem sofre de subautomação instalar robôs rentáveis, e a quem tivesse uma sobre-automação não tivesse só linhas de montagem totalmente automatizadas, mas também com operadores humanos e conseguisse ajustar o nível de automação à procura. Ao todo, teve um financiamento do programa europeu Horizonte 2020 de quatro milhões de euros.

O projecto terminou a 30 de Junho, mas as empresas envolvidas pretendem passar para a fase de industrialização do que foi desenvolvido – tanto do robô como das ferramentas de software para integração, simulação e operação do robô, informa Germano Veiga, investigador do Inesc Tec e coordenador do projecto, que teve a participação de outras empresas portuguesas e instituições científicas da Dinamarca, Suécia e da Alemanha.

A olhar para o futuro, Germano Veiga reflecte: “Haverá uma aproximação muito rápida das capacidades do robô industrial face às capacidades que um operador [humano] tem, mas acho que o caminho será o da complementaridade entre um operador e um robô.” No fundo, no Inesc Tec estão a preparar-se as fábricas do futuro.

Sistemas que falam a mesma linguagem  

Há quase um ano foi iniciado o maior projecto colaborativo europeu coordenado por uma instituição portuguesa, o Interconnect. Liderado pelo Inesc Tec, tem um financiamento de cerca de 36 milhões de euros (30 milhões de euros do Horizonte 2020 e seis milhões de entidades empresariais) e envolve 50 instituições de 11 países europeus.

O grande objectivo é desenvolver um conjunto de metodologias centradas nos dados que serão aplicadas em plataformas digitais para que se assegure a troca de dados de forma interoperável, isto é, que os diferentes sistemas comuniquem entre si de forma transparente. Este projecto de quatro anos está focado nos sistemas digitais dos edifícios residenciais e de serviços (como hotéis e supermercados), assim como das redes eléctricas. No fundo, pretende-se que os sistemas interajam entre si de forma inteligente, segura e, caso a pessoa precise de mudar algum aparelho (por exemplo, uma máquina de lavar) não tenha problemas.

Vejamos um exemplo a nível dos edifícios: um supermercado tem várias plataformas digitais, como um sistema de ventilação e ar condicionado e um outro de refrigeração. Este projecto pretende melhorar a forma como todo esse ecossistema se une, tornando-o mais inteligente, seguro, competitivo e fazendo com que seja mais fácil quando se quer juntar outro sistema, como um de mobilidade eléctrica num parque de estacionamento do supermercado. Quanto à rede eléctrica, pode-se dar o exemplo de um parque que esteja ligado a uma rede. Este trabalho pretende facilitar o trabalho do operador dessa rede.

Nesta primeira fase do Interconnect estão a criar-se cenários, como em parques de estacionamento de supermercados e de edifícios residenciais. Espera-se que até ao final do ano já estejam definidos os formatos como são trocados dados entre dispositivos e sistemas, por exemplo entre uma máquina de lavar e um sistema de controlo.

David Rua, investigador do Inesc Tec e coordenador do projecto, diz que é difícil de prever o que acontecerá no futuro nesta área, mas que a interoperabilidade “será cada vez mais um desígnio para que não se criem ecossistemas fechados e se tenham soluções protegidas”. “Os próximos anos vão-nos mostrar soluções mais ágeis na parte digital que tenham outras capacidades e competência e que vão ser facilitadas através da interoperabilidade.”

Uma aplicação para detectar fogos

O grande objectivo do projecto FireLoc é criar um sistema que permita aos cidadãos reportar incêndios assim que os vejam para, desta forma, se detectarem focos de incêndio o mais rápido possível. Para isso, está a criar-se uma aplicação para smartphones. A localização do foco de incêndio é conseguida através de informação recolhida por várias pessoas. 

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A futura aplicação para detectar focos de incêndio DR

O projecto já começou há mais de um ano e teve quase 200 mil euros da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Neste momento, está a terminar-se o desenvolvimento da segunda versão da aplicação, que será brevemente testada através de voluntários. Quem quiser voluntariar-se pode inscrever-se no site do FireLoc. Espera-se que esteja disponível para toda a população no Verão de 2021.

Cidália Fonte, responsável pelo projecto e investigadora do Inesc Coimbra, diz que a expansão da informação geoespacial (toda a informação que tem uma componente de localização associada) tem sido tão rápida nos últimos anos que não tem sido fácil acompanhar as exigências da sociedade. “Prevejo que no futuro a maioria da informação seja geoespacial e prevejo um grande desenvolvimento de todas as suas componentes, como imagens recolhidas por sensores instalados em satélites ou dados disponibilizados por cidadãos.”

Câmaras de vigilância para incêndios

O sistema de televigilância Ciclope começou a ser desenvolvido nos anos 90 e em 2003 foi instalado pela primeira vez no Parque Natural da Arrábida. Depois, em 2004, começou a ser expandido para a generalidade do território para protecção contra os incêndios florestais e rurais.

Com sete pessoas dedicadas exclusivamente a si, o Ciclope é composto por duas componentes: o apoio à decisão e a detecção automática. Para a primeira componente, há um conjunto de câmaras com um alcance entre os 20 e os 25 quilómetros que podem ser controladas manual ou automaticamente por um centro de controlo. Assim, os operadores conseguem visionar uma determinada ocorrência logo a partir do momento em que é detectada. “Esse visionamento permite que se tenha a capacidade de se tomar uma decisão e reagir em função do que está a acontecer”, indica Luís Silva, coordenador do projecto e engenheiro no Inov Inesc Inovação. “Quando a análise é feita correctamente nesta fase, pode adequar-se o ataque ao incêndio, optimizar os recursos e reduzir a área ardida.”

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Torre de acompanhamento remoto em Chãs de Égua, no concelho do Fundão DR

Para a segunda componente, poderá haver câmaras de espectro visível para detecção de colunas de fumo ou câmaras térmicas para detecção dos pontos de calor. Desta forma, consegue fazer-se uma detecção automática.

Neste momento, o Ciclope já chegou aos distritos de Bragança, Porto, Guarda, Castelo Branco, Leiria, Santarém e Lisboa. A cobertura não é igual em todos: Castelo Branco será o que estará mais coberto; Leiria e Santarém também estão bem cobertos; e Lisboa e o Porto têm em curso projectos de expansão. Quanto ao impacto, Luís Silva diz que até 2017 (o ano dos grandes incêndios em Pedrógão Grande) os projectos para instalação do sistema eram pequenos e da iniciativa dos municípios. A partir daí, passaram a ser de maior dimensão e impacto. “Não lhe consigo dizer qual o impacto numérico, mas com que tenhamos conhecimento não houve nenhum incêndio que tenha nascido pela área coberta pelo sistema Ciclope que se tenha tornado um grande incêndio.”

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Centro de comando e controlo no Comando Distrital de Operações de Socorro da Guarda com videowall integrada no sistema que permite a partilha da informação com todos os operadores da sala DR

Sobre as perspectivas para o futuro, o engenheiro refere que, por um lado, se está em permanente investigação e desenvolvimento de tecnologias que possam dar apoio a esta área. Por outro lado, como a procura tem aumentado nos últimos anos, pretende-se continuar a ser sempre competitivo para responder a concursos públicos para a expansão do sistema. Também se quer fazer um investimento no mercado internacional. E, já agora, daqui a 40 anos? “Daqui a 40 anos os incêndios não deixarão de ser um problema, devido ao aquecimento global, mas gostaria de imaginar que deixariam de ser um problema com a dimensão actual que têm na sociedade. Ou seja, as tecnologias permitiriam minimizar o impacto desse risco que continuará a crescer”, reflecte Luís Silva.

Aperfeiçoar a vigilância epidemiológica

Melhorar as ferramentas actuais de vigilância epidemiológica através da integração de diferentes fontes de dados. Este é o grande objectivo do projecto europeu Mood, que é coordenado pelo Centro de Cooperação Internacional de Investigação Agronómica para o Desenvolvimento, em França. O Inesc ID integra este projecto que teve quase 14 milhões de euros do programa de financiamento europeu Horizonte 2020.

Este trabalho na área da epidemiologia terá o recurso de técnicas de ciências dos dados e de análises a grandes volumes de informação – que pode estar relacionada com a distribuição da população, mobilidade ou outros factores que ajudem a modelar a forma como se propagam doenças infecciosas. Essa recolha dessa informação pode até ser feita nas redes sociais ou nos media.

O projecto arrancou em Janeiro e tem a duração de quatro anos. Devido ao surgimento da actual pandemia, certas actividades foram redireccionadas e a covid-19 foi integrada no Mood, como a recolha de dados ligados à mobilidade das pessoas. Bruno Martins, investigador Inesc ID e coordenador do projecto em Portugal, refere que os avanços técnicos serão integrados em várias ferramentas de vigilância epidemiológica já em funcionamento através diferentes entidades, como o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), e que não se deverá criar um sistema de vigilância completamente novo. “A visão é mais de melhorar as ferramentas existentes e não tanto contribuir para mais uma nova ferramenta de vigilância epidemiológica.”

Bruno Martins diz que é praticamente impossível prever o que vai acontecer nos próximos 40 anos. Mas há algo que consegue perspectivar para os próximos anos: “Imagino que muitas das técnicas que estão a ser desenvolvidas neste projecto terão continuidade e terão aplicações noutras áreas relacionadas com o que é o core da actividade do Inesc.”

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