Liverpool: uma conquista histórica

Mais do que o título de campeão, o que mais impressiona é a forma avassaladora como os “reds” destrataram toda a concorrência num campeonato aclamado e adorado pela sua competitividade.

Foto
LUSA/PETER POWELL

Foi finalmente interrompido um dos jejuns mais infames da história do futebol: o Liverpool, sensivelmente três décadas após a sua última conquista da liga doméstica, voltou a sagrar-se campeão inglês. Mas, mais do que o título de campeão, o que mais impressiona é a forma avassaladora como os “reds” destrataram toda a concorrência num campeonato aclamado e adorado pela sua competitividade. Não é que ganhar campeonatos seja fácil, o próprio Liverpool que o diga, mas ganhá-los com tamanha limpidez, com tão grande demonstração de autoridade, com tão flagrante superioridade, só está ao alcance dos que são realmente bons, dos que são verdadeiramente grandes.

Os aficionados das estatísticas, ao tentarem materializar o domínio absoluto e incontestado da equipa de Merseyside, não se coibirão de nos incomodar com uma enxurrada de números: o número de vitórias, de derrotas, de golos marcados e sofridos, de quilómetros percorridos, de duelos ganhos e todos os outros de que se consigam lembrar. Só que uma análise deste tipo, tão insípida e sensaborona, não só não se distinguiria da análise de um qualquer economista ou director financeiro, como não tem nada a ver com aquilo que distingue os actuais campeões europeus e novíssimos campeões ingleses: a alma, o espírito, o futebol rock´n roll feito de variações constantes, a genialidade louca de um timoneiro alemão que é um espectáculo dentro do próprio espectáculo. No fundo, em vez de explicações gráficas e numéricas que têm tanto de aborrecidas como de desinteressantes, parece-me suficiente ficarmo-nos por um singelo “o Liverpool joga muito”.

A conquista da Premier League pelos “reds” tanto tempo depois representa também uma vitória do tradicionalismo do “velho” futebol por oposição ao novo-riquismo que tem contaminado vários futebóis por essa Europa fora. Durante este hiato de três décadas, o futebol transformou-se num negócio, os orçamentos passaram a valer quase tanto como a história dos clubes e, fruto dessa lógica endinheirada, agremiações desconhecidas que há algum tempo vegetavam na mais obscura das medianias ganharam destaque na luta pelos títulos mais importantes. Convencidos da inesgotabilidade dos bolsos fundos de magnatas de origem duvidosa, estes novos-ricos tornaram-se verdadeiros objectos de culto por parte de alguma massa adepta, compreensivelmente entusiasmada com a adaptação da “Gata Borralheira” ao universo futebolístico: clubes que renascem do vazio em que sempre viveram e, com a ajuda mágica dos petrodólares, passam a estar presentes nas grandes decisões.

O problema é que se a longo prazo assistirmos a uma proliferação destes fenómenos endinheirados corremos o risco de descaracterizar por completo o futebol europeu e encaminhá-lo rumo à americanização. Em vez do futebol teremos o soccer, em vez de adeptos apaixonados pelos seus clubes teremos fãs pachorrentos, em vez de estádios barulhentos e ambientes intimidantes (no bom sentido) teremos zonas de lazer adequadas à sociabilização da terceira idade.

Para não corrermos esse risco é fundamental que a ligação dos clubes com as comunidades não se perca e que a base sentimental que sustenta a relação clube-adepto não se transforme num valor transaccionável. No caso concreto do Liverpool, um dos poucos clubes cuja existência parece prévia à do próprio jogo, essa ligação, esse sentimento de pertença, apesar de todas as dificuldades, nunca pareceu em perigo. Porque, como diz a canção, You´ll Never Walk Alone.

Sugerir correcção