Drogas ilícitas: mais solidariedade para com os mais vulneráveis

Enquanto procuramos superar e recuperar da crise da covid-19, as nossas sociedades não podem agravar os riscos das drogas ilícitas por desatenção e negligência. Precisamos de estratégias com uma abordagem nacional, regional e inter-regional. Os governos têm de mobilizar recursos financeiros e, mais importante, apoio social e institucional – não um setor ou um ministério, mas todos os esforços combinados e consolidados para garantir impacto.

Há mais pessoas a consumir drogas e há mais drogas ilícitas disponíveis do que nunca. A crise da covid-19 expôs a nossa fragilidade, com sistemas de saúde sobrecarregados e sistemas de segurança social no limite. A crise económica causada pela pandemia global pode levar mais pessoas ao abuso de substâncias ou deixá-las vulneráveis ao narcotráfico e a crimes relacionados.

Já assistimos a esta realidade no passado. Na recessão global que se seguiu à crise financeira de 2008, os consumidores procuraram substâncias sintéticas mais baratas e os padrões de consumo mudaram para a injeção de drogas, enquanto os governos reduziram os orçamentos para lidar com os problemas relacionados com drogas.

Os grupos vulneráveis e marginalizados, jovens, mulheres e pobres foram os mais prejudicados. Agora, ao enfrentarem a mais grave crise socioeconómica em gerações, os governos não se podem dar ao luxo de ignorar os perigos que as drogas ilícitas representam para a saúde e a segurança pública.

Em todo o mundo, os riscos e consequências do uso de drogas são agravados pela pobreza, pela limitação de oportunidades de educação e de emprego, pelo estigma e a exclusão social, o que, por sua vez, ajuda a aprofundar as desigualdades, afastando-nos ainda mais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Apesar de haver mais pessoas a consumirem drogas nos países desenvolvidos do que nos países em desenvolvimento, e de haver uma maior prevalência de uso de drogas nas classes sociais mais elevadas, as pessoas socialmente e economicamente desfavorecidas têm maior probabilidade de desenvolver transtornos relacionados com o consumo destas substâncias.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2020 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, apenas uma em cada oito pessoas tem acesso ao tratamento de que precisa. Cerca de 35,6 milhões de pessoas sofrem de transtornos relacionados com o consumo de drogas em todo o mundo. Um em cada três consumidores é mulher, mas elas representam apenas uma em cada cinco das pessoas que estão em tratamento. Presidiários, minorias, imigrantes e deslocados também enfrentam barreiras ao tratamento devido à discriminação e ao estigma.

Cerca de 269 milhões de pessoas consumiram drogas em 2018, um aumento de 30% em relação a 2009, com os adolescentes e os jovens adultos a representarem a maior parte dos consumidores. Embora este aumento reflita o crescimento populacional e outros fatores, os dados indicam que as drogas ilícitas são mais diversas, mais fortes e estão mais disponíveis.

Ao mesmo tempo, mais de 80% da população mundial, principalmente nos países de baixo e de médio rendimento, são privados de acesso a medicamentos para o alívio da dor e para outros fins médicos essenciais.

Os governos comprometeram-se repetidamente a trabalhar em conjunto para enfrentar os desafios colocados pelo problema mundial das drogas, através dos ODS e, mais recentemente, na Declaração Ministerial de 2019 adotada pela Comissão de Estupefacientes. No entanto, os dados indicam que o apoio, na realidade, caiu ao longo do tempo, pondo em causa o compromisso dos governos e a coordenação regional e global.

O apoio ao desenvolvimento dedicado ao controlo de drogas caiu cerca de 90% entre 2000-2017. O financiamento à problemática das drogas pode ter sido contemplado sob outras rubricas orçamentais, mas há poucas evidências de que seja uma prioridade para os doadores internacionais. A assistência ao desenvolvimento alternativo, que cria novas fontes de rendimento, viáveis e lícitas, para permitir que os agricultores pobres parem de cultivar papoila ou coca ilícita, também permanece muito baixa. As respostas equilibradas, abrangentes e eficazes às drogas dependem de uma responsabilidade partilhada. Peço aos governos que cumpram os seus compromissos e garantam o seu apoio.

Não deixar ninguém para trás exige um maior investimento em prevenção baseada em estudos, bem como tratamento e outros serviços para transtornos relacionados com o consumo de drogas, VIH, hepatite C e outras infeções.

Precisamos de cooperação internacional para aumentar o acesso a drogas controladas para fins médicos, ao mesmo tempo que evitamos desvios e abusos, e fortalecemos as operações policiais para desmantelar as redes transnacionais de crime organizado.

A partilha de conhecimento sobre os impactos das drogas em mulheres e homens, jovens e idosos e em diferentes grupos sociais pode melhorar os cuidados prestados. O uso de alternativas à condenação e punição, em casos apropriados, de acordo com as convenções internacionais de controlo de drogas, pode aumentar as probabilidades de uma reabilitação e reintegração bem-sucedidas.

As abordagens centradas na saúde, baseadas em direitos e sensíveis ao género, ao uso de drogas e doenças relacionadas, proporcionam melhores resultados de saúde pública. Precisamos fazer mais para partilhar esta aprendizagem e apoiar a sua implementação, principalmente nos países em desenvolvimento, inclusive fortalecendo a cooperação com a sociedade civil e as organizações de jovens. Precisamos saber mais e de nos importar mais.

Enquanto procuramos superar e recuperar da crise da covid-19, as nossas sociedades não podem agravar os riscos das drogas ilícitas por desatenção e negligência. Precisamos de estratégias com uma abordagem nacional, regional e inter-regional. Os governos têm de mobilizar recursos financeiros e, mais importante, apoio social e institucional – não um setor ou um ministério, mas todos os esforços combinados e consolidados para garantir impacto.

É necessário que todos os países demonstrem uma maior solidariedade, tratem e construam resiliência para os problemas relacionados com drogas, para que o mundo se possa recuperar melhor da pandemia.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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