João Gil lança canção A marcha da polícia como “um manifesto pela democracia”

Começou a escrever a letra durante uma manifestação da polícia em 2019 e agora João Gil lança-a como canção num videoclipe. Que se estreia esta noite no PÚBLICO e na RTP, com um debate na RTP3 a partir das 22h.

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Imagem do videoclipe de A marcha da polícia, com a letra em rodapé como num telejornal DR

A ideia surgiu-lhe na estrada, imerso num trânsito lento, num dia em que se realizou em Lisboa uma manifestação de agentes da PSP e guardas da GNR. No mesmo dia, acabou por se tornar uma canção. Mas só agora, com o passar do tempo e outros acontecimentos que envolveram polícias, não só em Portugal como nos Estados Unidos, desde a covid-19 ao assassínio de George Floyd em Minneapolis, é que João Gil (um dos fundadores do Trovante e de grupos como Moby Dick, Ala dos Namorados, Cabeças no Ar, Filarmónica Gil, Baile Popular, Tais Quais ou Quinteto Lisboa) lhe deu forma final e resolveu estreá-la como videoclipe. Que é divulgado esta noite em simultâneo no PÚBLICO e na RTP, estando marcado um debate na RTP3, às 22h, em torno da temática da canção. Que se chama A marcha da polícia e pretende ser, diz o autor, “um manifesto pela democracia.”

João Gil recorda ao PÚBLICO como lhe surgiram as primeiras palavras da canção: “Foi no próprio dia 21 de Novembro de 2019, quando houve uma manifestação frente à Assembleia da República com agentes policiais. Lembro-me de que estava a ouvir as notícias na rádio, e pensar que havia ali reivindicações completamente justas, aliás parecidas com as dos professores, e pareceu-me normal a esse nível. Só que depois apercebi-me de que tinham lá posto umas baias de betão e de repente estava-se a discutir o parlamento e a democracia. Eu vinha no pára-arranca, na A5, e entre parar e arrancar, até chegar a Lisboa, fui debitando para o gravador do meu telemóvel frases soltas. E o princípio foi: ‘Tomei conta da ocorrência/ E agi em conformidade’. Ali estava a chave.”

Um abraço, pela Constituição

João Gil não tinha, ainda, consciência de que aquilo seria a letra para uma canção. “Eram frases soltas com uma fonética parecida, a rimar: ‘Há um trânsito na cidade/ Que provoca ansiedade/ Há notícias que são falsas/ Que querem ser verdade…’ E por aí fora.” Quando chegou a Lisboa, esqueceu aquilo. “Mas quando cheguei à noite a casa voltei a ouvir as notícias e apercebi-me do alcance que aquilo estava a ter, que havia uma apropriação [uma colagem a símbolos e discursos de movimentos de extrema-direita], que havia coisas que estavam a acontecer à volta da polícia, e pareceu-me que a democracia, a Europa, aquilo que temos vindo a conquistar não só com o 25 de Abril mas até antes, com o que aconteceu a seguir à II Guerra Mundial, tudo isso é um tecido frágil, não é um dado adquirido. Não há a certeza de que isto é para sempre. Isso deixou-me preocupado e apreensivo e percebi que tinha feito A marcha da polícia. Não a marcha como as marchas populares, mas marcha de marchar. No fundo, aquilo que eu acho, não só para a polícia mas para as forças militares e para todas as partes que compõem uma sociedade, é que é preciso que se cumpra o caderno de encargos que é a Constituição. É só isso que está em causa. Aliás, a minha letra acaba por ser um abraço à polícia, que entendi dar na altura, lembrando que a polícia tem de estar ao lado da Constituição e da democracia.”

O assassínio de George Floyd por um polícia em Minneapolis, nos Estados Unidos, e o forte movimento anti-racista que se lhe seguiu, não só nos EUA mas em muitas cidades do mundo, acabou por integrar na canção uma outra perspectiva, contrapondo à violência policial o acto de muitos polícias que se ajoelharam em memória de Floyd, lado a lado com os manifestantes. “Se por um lado em Portugal eu falo de Constituição, nos Estados Unidos há um contrato social que foi quebrado. Os EUA têm problemas gravíssimos, quase institucionais, de racismo”, diz João Gil. “Esta canção é, no fundo, um manifesto pela democracia e pelo que nela conquistámos, desde o Serviço Nacional da Saúde à educação, com a escola pública, a liberdade, o parlamento, os partidos, tudo isso.”

Quase como num telejornal

Em Novembro de 2019 ninguém imaginava o que vinha aí em 2020: uma pandemia, com graves consequências, em termos humanos e económicos, para muitos países, Portugal incluído. E aqui, segundo João Gil, a polícia portuguesa portou-se como devia: “Teve um papel de primeira linha, com muita pedagogia, a fazer compreender às pessoas que deviam ir para casa. É esta polícia, com um papel pedagógico e informativo, que tem de sobreviver e deve ser enaltecida, porque é um garante da democracia e da liberdade.”

Em termos musicais, A marcha da polícia soa quase como um rap: “Em Novembro de 2019, quando percebi que aquilo fazia sentido, peguei na guitarra e zás, a música surgiu de rajada e fiz a canção de imediato. Depois achei que a força da canção precisava de um som à altura, e pensei no som de Almada e no que algumas pessoas de lá são capazes de fazer, como o João Martins, nos Estúdios Ponto Zurca, e alguns músicos como o Nuno Espírito Santo ou as guitarras do ‘Rafa’ [Rafael Gil], que é meu filho. Então fomos para o estúdio à procura desse som, do som que só há ali.” Na bateria esteve Marco Cezario, ficando a masterização a cargo de Rui Dias. “O videoclipe foi feito pelo Vasco Pinhol, um excelente fotógrafo, realizador e também músico que vive na Noruega. Ele procurou que o vídeo nos desse uma imagem do mundo, não se circunscreveu a Portugal. E seguiu um modelo de imagem quase CNN, como num telejornal, onde eu apareço como um correspondente, num cantinho, como se estivesse a assegurar a linguagem gestual.”

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