Mulheres árabes negras lutam contra discriminação e estereótipos de beleza

Os protestos anti-racismo têm incentivado as mulheres a insurgir-se contra a discriminação e os padrões de beleza impostos no Médio Oriente.

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Reuters/MURAD SEZER

As mulheres árabes negras estão a inspirar-se nos protestos globais anti-racismo para reagir à persistente discriminação e aos padrões de beleza estipulados no Médio Oriente que favorecem a pele clara e o cabelo liso. Os árabes negros do Médio Oriente e do Norte de África que descendem de africanos subsarianos são muitas vezes sujeitos ao racismo e a representações pejorativas nos meios de comunicação, denunciam.

De acordo com activistas, as mulheres negras, algumas das quais migrantes africanas, sofrem uma dupla discriminação. “O padrão de beleza na nossa sociedade é ser-se branco”, afirma Hawkla Ksiksi, uma activista feminista e anti-racista que co-fundou o grupo Voices of Black Tunisian Women. “As mulheres negras são pressionadas a alisar o cabelo, a livrarem-se dos caracóis e a empalidecer a sua pele de forma a serem aceites na sociedade e a enquadrarem-se nos padrões”, justifica. Encorajada pelo movimento global Black Lives Matter, Ksiksi declara que as mulheres árabes negras querem chamar a atenção para o preconceito e abuso racial vivido no seu quotidiano numa região onde todos negam a existência de um problema.

A activista de origem somali e iemenita Amma Ali fundou a Black Arabs Collective este mês, uma plataforma no Instagram que pretende consciencializar a população para os problemas de raça e do racismo na região. A activista lembra-se de ver anúncios televisivos de creme facial branqueador que mostravam as mulheres cada vez mais felizes enquanto o seu rosto se tornava cada vez mais claro. “É tão prejudicial para as raparigas morenas e negras que vêem esses anúncios e pensam que o seu tom de pele é feio, e se ficar mais claro, estará melhor”, denuncia. 

Um surto global de críticas aos cremes de branqueamento facial levou as marcas a reagir. No final da semana, a Johnson & Johnson avançou que pararia de produzir e vender a sua gama de produtos dessa tipologia na Ásia e no Médio Oriente. Na Tunísia, a principal marca de pensos higiénicos, Nana, causou um sentimento de revolta nas redes sociais depois de partilhar uma publicação, no início do mês, que deveria celebrar a diversidade incluindo uma modelo branca, de olhos azuis, pintada em diferentes tons de pele. Nana Arabia, que rapidamente substituiu a publicação polémica, afirmou que é “fortemente contra qualquer tipo de racismo”. “Nós promovemos a diversidade em todas as áreas e apoiamos as mulheres a seguir os seus sonhos individuais”, referiu a marca num comentário por e-mail. Mas Ksiksi declarou que o uso de maquilhagem negra facial demonstrava que as mulheres negras eram “percepcionadas como feias”: As marcas “preferem usar a imagem de uma mulher branca e pintar-lhe a cara”. Para além dos padrões de beleza racistas, Ksiksi acrescenta que as mulheres negras árabes são frequentemente ridicularizadas por causa de estereótipos, entre eles que estas mulheres têm mais desejo sexual.

Orgulho na cor

Na Tunísia, como em qualquer parte do Norte de África e do Médio Oriente, as mulheres também são desproporcionalmente mais pobres e têm perspectivas de trabalho piores, assim como maior probabilidade de serem vítimas de assédio sexual pelos seus patrões ou quando estão na rua. “Económica e socialmente as mulheres negras estão no fundo da pirâmide. Portanto se alguém assedia uma mulher negra, o agressor sabe que ela não tem quaisquer apoios e isso torna o assédio mais fácil”, explica Ksiksi. A Tunísia tornou-se o primeiro país árabe a criminalizar a discriminação social, em Outubro de 2018, com a primeira condenação segundo esta lei a ocorrer em Fevereiro de 2019.

Mas desde o Egipto aos territórios da Palestina, as visões racistas, profundamente enraizadas, continuam presentes. No início deste mês, o actor e cantor egípcio, Mohamed Ramadan, respondeu a uma mulher que, ao comentar a foto do filho do artista, lamentou que o rapaz fosse mais parecido com o pai, de pele mais escura, do que com a mãe, de tez mais clara. “Tenho orgulho na minha cor… e estou feliz por os meus filhos crescerem anti-racistas”, escreveu Ramadan na sua página do Facebook.

Num vídeo viral, a actriz palestiniana Maryam Abu Khaled​ diz que esperava que as gerações futuras não tivessem de suportar comentários racistas, que a actriz ouviu enquanto crescia, como pais que alertavam os filhos para evitar o sol para não ficarem mais escuros.

Para Ali, a quem muitas vezes diziam que era “bonita para uma rapariga negra”, os protestos desencadeados pela morte do norte-americano George Floyd, a 25 de Maio, às mãos de um polícia branco, em Mineápolis, espoletaram um exame de consciência relativamente a um assunto que lhe era familiar. “As pessoas estão a começar a perceber que devem ter mais consciência sobre o seu racismo”, afirma. “Isto é uma grande mudança, a discussão sobre raça no mundo árabe não existia e agora as pessoas estão a alertar-se umas às outras.”

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