Covid-19: Puxar o autoclismo lança nuvem de gotas com vírus

Simulação em computador foi usada para demonstrar como a descarga de um autoclismo pode criar uma “nuvem de gotas” com vírus que pode afectar outras pessoas.

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Para bloquear parcialmente esta via de transmissão, os autores do artigo sugerem que se baixe a tampa da sanita antes da descarga. Rui Gaudêncio

O problema identificado por uma equipa de investigadores na China pode ser minimizado de uma forma muito simples: nestes tempos de pandemia, quando descarregar o autoclismo não se esqueça de o fazer com a tampa da sanita fechada. A medida de prevenção impõe-se após os resultados de um estudo que mostrou que este simples acto do quotidiano pode criar uma “nuvem de gotas” que contém vírus e que é suficientemente grande e intensa para ser “respirada” por outra pessoa que use o mesmo quarto de banho a seguir. Baixar a tampa não eliminará, mas diminui, o risco desta arriscada dinâmica de fluidos.

O tema deste artigo pode parecer um pouco inusitado, mas a conclusão parece ser relativamente óbvia. Já se sabe que o vírus que causa a covid-19 pode sobreviver no sistema digestivo humano e aparece nas fezes das pessoas infectadas. Por outro lado, também é fácil constatar que a descarga de um autoclismo “cria muita turbulência”, o que, por sua vez, indica que pode espalhar bactérias e vírus. Posto isto, chega-se ao momento em que temos uma equipa de três investigadores de três universidades na China que publicou esta terça-feira na revista Physisc of Fluids um artigo com o título “Pode um quarto de banho promover a transmissão de vírus? A partir de uma perspectiva da dinâmica dos fluidos”.

Os cientistas recorreram a modelos de computador para simular o fluxo de água e ar numa sanita e, assim, projectar a nuvem de gotas que se forma a partir do simples gesto de descarga do autoclismo. O método usado é semelhante ao que foi utilizado para simular o movimento de gotículas projectadas durante um episódio de tosse humana (e que concluiu que cerca de 1,80 metros de distância não chega para evitar a transmissão do vírus em condições que envolvam um vento ligeiro). Desta vez, o foco estava na dinâmica de fluidos que se observa quando se puxa o autoclismo e as simulações mostraram que entre 40 a 60% das partículas alcançam o assento da sanita, levando à disseminação do vírus. Os resultados que provam o “transporte maciço de partículas de vírus” são alarmantes, admitem os autores no artigo.

O estudo descreve o que acontece quando a água entra na sanita e atinge o lado oposto criando vórtices. “Esses vórtices continuam a subir no ar acima da sanita, carregando gotículas a uma altura de quase três pés [o que equivale a quase um metro, mais precisamente 91 centímetros], e que podem ser inaladas ou assentar em superfícies”, alerta o comunicado do Instituto Americano de Física sobre o estudo. No mesmo documento, refere-se que as gotículas são tão pequenas que flutuam no ar por mais de um minuto. “Uma sanita com duas entradas de água gera uma velocidade ainda maior de partículas de aerossóis de fluxo ascendente.”

Ji-Xiang Wang, investigador na Universidade de Yangzhou e um dos co-autores do artigo, nota ainda que é possível prever que “a velocidade [das partículas projectadas] será ainda maior quando um quarto de banho é usado com frequência, como no caso de um quarto de banho de família durante um horário ocupado ou de um quarto de banho público que serve uma área densamente povoada”.

Os investigadores usaram um conjunto de fórmulas de dinâmica dos fluidos, conhecidas como equações de Navier-Stokes, para simular a descarga em dois tipos de sanita – um com uma entrada única para descarga de água e outro com duas entradas para criar um fluxo rotativo. Para bloquear parcialmente esta via de transmissão, os autores do artigo sugerem que se baixe a tampa da sanita antes da descarga. Quanto ao risco que as sanitas que não têm tampo representam – e existem muitas destas sanitas instaladas em espaços públicos –, os autores recomendam um novo e melhorado desenho desta peça de louça sanitária.

“Bloquear o caminho da transmissão fecal-oral, que ocorre durante a utilização de quartos de banho, é de uma importância fundamental para suprimir a disseminação de vírus. No entanto, até o momento, os esforços para melhorar a segurança sanitária na utilização dos quartos de banho foram insuficientes”, lamentam os autores no artigo. É evidente, acrescentam ainda, que qualquer pessoa pela sua experiência sabe que “puxar o autoclismo gera uma forte turbulência dentro da sanita”. Mas que tipo de turbulência e com que consequências quiseram saber os investigadores, que lamentam o facto de a maioria das pessoas não estar consciente desta possível via de infecção.

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