No Pinhal Interior, uma empresa de águas pode levar a luta de câmaras em tribunal

APIN nasceu para gerir águas de 11 concelhos. Os preços para os munícipes aumentaram e Penacova pediu para sair. Tudo bem, dizem as autarquias que ficam, desde que pague uma indemnização.

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RG RUI GAUDENCIO

Há um imbróglio a envolver 11 câmaras dos distritos de Coimbra e Leiria. Tudo por causa da Empresa Intermunicipal do Pinhal Interior (APIN), uma entidade que nasceu para fazer a gestão conjunta da água, resíduos e saneamento naquele território e que tem vindo a ser contestada pela população, desde que começou a operar, no início de 2020. Até aqui, o resumo é relativamente simples: os preços para os consumidores aumentaram substancialmente, houve protestos e a Câmara Municipal de Penacova, uma das 11, votou a saída da empresa.

Daqui para a frente, o caso complica-se. Os municípios que ficam na APIN até admitem a saída do vizinho, mas, para que tal aconteça, querem uma indemnização milionária. Um requisito que Penacova está muito pouco inclinada a aceitar e, em resposta, tem já um parecer jurídico que põe em causa a própria existência da empresa.

A APIN foi constituída em 2019, fruto da conjugação de esforços dos concelhos de Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Pedrogão Grande (no distrito de Leiria) e de Góis, Lousã, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela e Vila Nova de Poiares (distrito de Coimbra).

Mas os problemas começaram em 2020, com a entrada em operação efectiva da empresa. Com a primeira vaga de facturação, entre Fevereiro e Março, surgiu a primeira onda de protestos. Ao correio dos munícipes, chegavam cartas que mostravam aumentos astronómicos em relação ao que pagavam antes (ultrapassavam 200% em alguns casos), quando a gestão do sistema de água e saneamento era centralizada na câmara local. Pressionada pela população, Penacova votou o abandono da empresa intermunicipal.

Entretanto a pandemia refreou os ânimos e o confinamento forçou um intervalo nas concentrações em frente às câmaras municipais. A APIN suspendeu cortes entre os meses de Março e Maio e passou também a aplicar o tarifário social a todos os consumidores domésticos.

Compensações e diferendos

O desconfinamento pôs o assunto novamente a mexer nas assembleias municipais da Lousã e de Vila Nova de Poiares, que já aprovaram uma resolução em que é pedida uma indemnização a Penacova. Esse pedido baseia-se, por exemplo, na “taxa interna de rentabilidade, que foi definida com base na participação do município de Penacova e diminui sem Penacova. É um dos factores que está em causa”, explica o presidenta da Câmara Municipal da Lousã, Luís Antunes, ao PÚBLICO.

Também os deputados municipais de Poiares são claros nas intenções: “solicitar à APIN que, pelos meios que considere adequados, diligencie no sentido de exigir uma indemnização ao Município de Penacova pela alteração da sua posição na referida empresa, e consequente perdas financeiras verificadas até ao momento bem como as futuras, ou seja, do investimento já efectuado pelos Municípios para a constituição da referida empresa e dos problemas criados para investimentos futuros já planeados”.

Luís Antunes entende que a decisão de Penacova de sair “é legitima e sempre foi respeitada”, acrescentando que não há nenhuma “obstaculização à saída”. Mas não abre mão da indemnização que anda na ordem dos milhões de euros, embora não especifique o valor.

De acordo com o autarca, Penacova participou nas reuniões e forneceu os elementos necessários para se chegasse ao à fixação do montante. “Participámos em várias reuniões a convite da APIN”, confirma o vice-presidente da Câmara Municipal de Penacova, João Azadinho. Mas uma coisa é ter uma postura “colaborante”, outra é concordar com a indemnização. Algo que não aconteceu, até porque Penacova muniu-se de um parecer jurídico da autoria do advogado Paulo Veiga e Moura a dizer que nada tem a pagar.

Penacova apenas seria obrigada pagar à APIN se tivesse existido uma delegação de competências numa associação de municípios, defende o especialista em direito administrativo. O que existe não é uma associação criada para fins específicos mas uma “soma individualizada de cada um dos diversos municípios”, lê-se no parecer a que o PÚBLICO teve acesso. Ainda assim, Penacova poderia revogar o contrato na parte em que delegava a gestão do seu sistema municipal sem pagar qualquer indemnização por não haver no capital social dessa empresa “a participação de entidades privadas, o que é um pressuposto essencial” para que haja obrigação desse pagamento. Assim, Azadinho considera que o município tem caminho aberto para sair, estando apenas por tratar “questões práticas, relacionadas com períodos de facturação”.

O presidente da câmara de Penela, Luís Matias, diz que não é assim tão simples. “Se a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos e o Tribunal de Contas deram parecer para a criação da empresa, também terão que dar para a saída de Penacova”, sustenta. Se a criação da APIN, que está sediada em Penela, teve como base o argumento de que “a agregação de sistemas seria a forma mais eficaz”, agora, terá que se mostrar a estas entidades “qual é o interesse desta nova configuração”. Matias sublinha que respeita a decisão, mas considera que foi tomada “com alguma precipitação”. “Creio que desconheciam as consequências”, argumenta.

E como pode ser resolvido o diferendo? “Se o Penacova não se mostrar disponível para fazer isso de uma forma consensual, da forma mais natural, a APIN terá que desenvolver as diligências necessárias”, afirma Luís Antunes. Isso inclui recorrer aos tribunais? “Inclui desenvolver as diligências necessárias. Temos que defender os nossos direitos”.

Há ainda a questão partidária. O autor da proposta de saída de Penacova da APIN votada em Assembleia Municipal foi o próprio presidente daquele órgão autárquico, Pedro Coimbra, que, por sua vez, é simultaneamente deputado no Parlamento e presidente da distrital de Coimbra do PS. Ora, em 2018, o adversário de Pedro Coimbra nas eleições para a distrital socialista foi o autarca da Lousã, Luís Antunes. No entanto, tanto Azadinho como Luís Antunes rejeitam esta motivação. “Temos câmaras de várias cores partidárias, com quem temos boas relações e cada município fará sempre aquilo que achar que é melhor para as suas populações”, responde o vice de Penacova. O presidente da Lousã garante que qualquer afirmação nesse sentido “não tem qualquer fundo de verdade”.

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