O absurdo vandalismo do nosso património

Nada, mesmo nada justifica que, no futuro, estes elementos significantes da nossa História, aqueles que nos dão valor e que garantirão o valor no futuro, sejam vandalizados e destruídos.

Temos assistido nestes últimos dias a atos de vandalismo que nos deixam perplexos. Não apenas pela destruição da arte e do património, sempre reprovável, mas pelo absurdo desse mesmo vandalismo que revela a ignorância histórica e coloca a descoberto a grande lacuna de conhecimento da sociedade sobre a sua própria construção. Não será de admirar, pois a nossa História quase desapareceu dos manuais escolares e o desinteresse crescente pela sua valorização é mostrado pelas políticas da educação, bem mais preocupadas em transmitir ideologias que factos. E inquietantes são os sentimentos crescentes que se demonstram de recusa e de desprezo pela nossa História.

A arte e o património são expressões das sociedades que representam momentos, memórias, acontecimentos, relatam o simples passar dos tempos ou apenas vivências culturais, sociais, económicas, políticas… em suma, revelam uma construção diária de comunidades. Em Portugal, essas comunidades seguiram um percurso, operado por homens e mulheres que foram nascendo, crescendo e morrendo, assim como acontece hoje, e acontecerá no futuro. No passado, estes homens e mulheres agiam de acordo com os valores do seu tempo, assim como agimos hoje e agirão no futuro as gerações vindouras. Realizações que acontecem no seu tempo e num determinado lugar.

Esta ação construtiva e criativa de pessoas no seu espaço e no seu tempo, permite-nos ser o que somos hoje. Um país procurado por muitos estrangeiros, não apenas interessados em sol e praia, mas sim, na nossa cultura, na hospitalidade das gentes, no nosso património resiliente ao tempo e à passagem de pessoas que colaboraram ativamente nessa construção. Através do património conseguimos ver que o tempo continua o seu curso e o seu percurso. Nós nascemos, crescemos e morremos. O património vai ficando como testemunho da nossa existência, da nossa passagem pelo planeta Terra. Aquele que mais resiste ao tempo é o que vai crescendo em valor, não apenas pela obra artística ou estética, não apenas pelo valor científico da descoberta, mas pelo simbólico, pelas histórias acumuladas, pelas vidas que foram deixando as suas emoções, as suas memórias e o seu esforço individual e coletivo. Estes valores respeitam-se porque vivem em cada um de nós, nas nossas ações e nas nossas emoções. A cultura e a identidade que nos caracteriza e que caracteriza o nosso país é fruto desse acumular individual que, unidos, formaram comunidades de valores.

Hoje, podemos concordar ou não concordar com o processo dessa construção. As gerações futuras irão concordar ou não concordar com o que construímos hoje. Um processo normal, contínuo, emotivo, factual. Concordando ou não concordando, que bases permitirão às gerações futuras criticar com violência, agressividade, o que hoje ajudamos a construir? Nada, mesmo nada justifica que, no futuro, estes elementos significantes da nossa História, aqueles que nos dão valor e que garantirão o valor no futuro, sejam vandalizados e destruídos. Claro que só o património relevante irá permanecer. Só o considerado significante pelas comunidades que se sucedem nesse tempo e nesse espaço, irá resistir aos tempos e irá continuar a construção do que intrinsecamente nos dá valor.

A verdadeira atitude é criar novas formas de expressar, criando mais arte, mais património, mais elementos que no futuro testemunhem movimentos, ideias, pensamentos. Devemos expressar as nossas emoções, as nossas crenças, gerando obras grandes em valor que permitam permanecer pelos tempos, passando mensagens, ensinamentos, às gerações vindouras. Podemos produzir e construir mais património, de forma perene, para que no futuro possa estar lá para recordar o valor das ações e dos pensamentos de hoje. Não se destruam os elementos que nos concedem valor e que nos permitem ler ou contar os acontecimentos, os factos, as histórias. No interior dos nossos lugares, a sua presença é fundamental para continuar a regular os nossos pensamentos, as nossas atitudes. Estão lá como ensinamento. Estão lá como valor do que é nosso.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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