Fazendas de Almeirim foi atingida por um downburst

Localidade ribatejana foi afectada por fenómeno meteorológico esta terça-feira, 26 de Maio. Foi também um downburst que, em 2017, acelerou incêndio de Pedrógão Grande.

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Animação com imagens de radar: as cores amareladas correspondem a movimentos de ar afastando-se do radar; as cores esverdeadas a movimentos de ar aproximando-se, com Fazendas de Almeirim assinalada com X; e o radar está na intersecção das linhas a preto IPMA

Na tarde de 26 de Maio, a localidade de Fazendas de Almeirim (no Ribatejo) e a área circundante foram afectadas por um downburst. Este fenómeno meteorológico é o mesmo que intensificou o incêndio de Pedrógão Grande a 17 de Junho de 2017, onde perderam a vida 64 pessoas.

O downburst caracteriza-se por uma corrente de ar gerada por certas nuvens que chega até ao chão, onde em seguida se espalha em todas as direcções e provoca ventos fortes. É um fenómeno relativamente frequente.

O downburst de Fazendas de Almeirim foi observado pelo radar meteorológico de Coruche a cerca de 18 quilómetros de distância, explica o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) em comunicado. “Este fenómeno traduziu-se pela ocorrência de vento a soprar com rajadas muito fortes, acompanhado de precipitação, por vezes sob a forma de granizo, e por uma acentuada descida da temperatura do ar, verificada em poucos minutos, mesmo em locais pouco afectados pela precipitação”, refere ainda o IPMA sobre o que se passou a 26 de Maio.

No caso de Fazendas de Almeirim, o downburst foi favorecido por uma conjugação de “ingredientes atmosféricos” ocorrida durante a tarde sobre essa localidade e também sobre outros locais do Ribatejo e do Alto Alentejo.

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Antes de mais, houve a formação de nuvens com desenvolvimento vertical. A altitude a partir da qual houve condições para a formação de nuvens era elevada – em torno dos 2500 metros. Isto traduziu-se na formação de nuvens de tipo cumuliforme, ficando a base destas nuvens também a altitudes elevadas. Além disso, a camada de ar entre a base das nuvens e o solo era relativamente seca.

Ora, nessas condições, as gotas de água e as pedras de granizo produzidas pelas nuvens, no trajecto de precipitação até à superfície, acabaram por ser parcialmente evaporadas pela massa de ar quente e seca localizada entre a base das nuvens e o solo. Durante essa travessia das gotas e das pedras de granizo, o ar seco perdeu bastante calor e tornou-se mais frio, mais denso (mais pesado). Assim, o ar seco organizou-se em correntes descendentes bastante acentuadas e, quando chegou junto ao solo, as correntes de ar descendente espalharam-se em todas as direcções. “No caso deste episódio de vento forte, a própria nuvem que gerou o fenómeno foi-se deslocando, tendo o vento mais forte sido sentido quando o escoamento divergente se encontrava próximo da localidade”, acrescenta o comunicado.

O downburst é um fenómeno raro? “Este tipo de fenómeno é relativamente frequente, desde que estejam associadas as condições atmosféricas”, reponde ao PÚBLICO o meteorologista Paulo Pinto, do IPMA, acrescentando que o instituto divulgou o sucedido em comunicado para explicar às populações o fenómeno que foi sentido por muita gente. “Ocorreu numa zona habitada, onde causou destruição. Já houve [no passado] outros downbursts, mas foram em zonas não habitadas e não havia ninguém para contar a história.”

Paulo Pinto diz, aliás, que nesse dia houve outro downburst, associado a outra nuvem, que ocorreu entre Montargil e Ponte de Sor. Mas não houve grandes relatos disso.

Ainda que o fenómeno que atingiu o incêndio de Pedrógão Grande em 2017 tenha sido um downburst, houve depois diferenças relevantes, como destaca Paulo Pinto. “Primeiro, havia um incêndio na zona e agora não havia incêndio. As consequências revelaram-se catastróficas.”

Outra grande diferença: enquanto a nuvem na origem do downburst de Fazendas de Almeirim estava a deslocar-se, a nuvem de Pedrógão Grande estava estacionária. “Agora foi um downburst isolado. Em Pedrógão Grande, houve uma sucessão de downbursts que se originaram numa zona de convexão – uma nuvem com desenvolvimento vertical do tipo de trovoada – que durante várias horas produziu downbursts. Durante bastante tempo, esteve estacionária naquela zona e a produzir downbursts.”

Ainda que o downburst não seja um fenómeno raro, o que foi tão extraordinário na tarde de 17 de Junho de 2017 foi a conjugação entre um downburst e um incêndio, como consta das conclusões do relatório do IPMA sobre as condições meteorológicas que terão influenciado o incêndio de Pedrógão Grande. As consequências foram aquelas que são bem conhecidas. Por causa dessa corrente de ar descendente extremamente forte, o incêndio foi oxigenado e empurrado pelo vento. Espalhou-se a grande velocidade — quase triplicando de dimensão — e chegou à estrada nacional (a EN 236-1), entre Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra. Nesta estrada, morreram 47 das 64 pessoas que perderam a vida nesta tragédia. Os carros ficaram aí aprisionados pelo fogo ou tinham fugido para aí de povoações próximas.

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