Covid-19: quase metade dos médicos com sintomas ou que contactaram com casos suspeitos não foram testados

Dos 1243 clínicos que foram testados, cerca de 19% esperam sete ou mais dias para realizar a análise, refere a Ordem dos Médicos.

Foto
LUSA/FABIO FRUSTACI

Perto de metade (47,17 %) dos médicos que tiveram sintomas ou estiveram em contacto com doentes suspeitos de covid-19 não foram testados, apontam os dados preliminares de um inquérito realizado pela Ordem dos Médicos. E dos 1243 clínicos que foram testados, cerca de 19% esperam sete ou mais dias para realizar a análise.

De acordo com um comunicado da Ordem dos Médicos, os resultados preliminares resultam de um inquérito realizado online entre os dias 8 e 14 de Abril. Responderam 6613 médicos e destes, 2353 clínicos estiveram em contacto com casos de covid ou suspeitos ou apresentaram sintomas compatíveis com a infecção provocada pelo SARS-Cov-2.

Mas 1110 destes médicos não chegaram a ser testados, refere a Ordem dos Médicos através de comunicado. E dos 1243 (52,82%) que fizeram o teste, “19% tiveram de esperar sete ou mais dias pela sua realização sendo 21% esperaram entre três e seis dias”. “Só 59% viram o procedimento concretizado em menos de três dias”, salienta a Ordem.

“Os resultados que encontrámos com este trabalho exploratório vão ao encontro de uma das preocupações que temos vindo a manifestar. Muitos médicos não foram devidamente testados e isso sempre foi uma recomendação basilar da Ordem dos Médicos para garantirmos a saúde e segurança dos nossos profissionais de saúde e doentes”, afirma o bastonário Miguel Guimarães, no comunicado.

O último balanço feito na semana passada, pelo secretário de Estado da Saúde em conferência de imprensa, dava conta de 3183 profissionais de saúde infectados pelo novo coronavírus. Destes, 477 são médicos, 838 enfermeiros, 774 assistentes operacionais, 152 assistentes técnicos e 107 técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica.

A realização de testes juntos dos profissionais de saúde foi questionada nos últimos dias, depois do secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales ter afirmado, em conferência de imprensa, que todos os que tinham estado em contacto com doentes infectados tinham sido testados. As declarações motivaram a reacção da Ordem dos Enfermeiros e do Sindicato Independente dos Médicos. Este domingo, Lacerda Sales abordou novamente o tema referindo que a norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS) tinha sido cumprida.

A Ordem dos Médicos recorda, neste comunicado, que a orientação 013/2020 de 21 de Março da DGS, referente aos profissionais de saúde com exposição ao SARS-Cov-2, “é muito restritiva em termos de testagem, estipulando que mesmo nos casos com alto risco de exposição só sejam encaminhados para exames laboratoriais os profissionais que desenvolvam sintomas”. “Numa altura em que estamos progressivamente a alargar a actividade assistencial, tanto ao nível das consultas como de cirurgias e de exames, é essencial que se testem todos os casos suspeitos de forma célere, mas também regularmente os profissionais de saúde”, afirma o bastonário dos Médicos.

Mais infectados no Norte

Na altura em que decorreu o inquérito, refere o comunicado, perto de 3% dos médicos que responderam estavam ou tinham estado infectados e cerca de 6% não podiam trabalhar por terem diagnóstico positivo ou estarem de quarentena (a aguardar testes, sem realização de teste ou sem sintomas, mas com contacto de risco). A anestesiologia, a medicina geral e familiar, a medicina interna e a pediatria foram as especialidades mais afectadas, “representando 51% do total”.

A Ordem refere que o número de casos positivos entre médicos seguiu a tendência nacional, com 58,5% dos inquiridos a dizerem que são da região Norte, 21,8% do Sul e 19,7% do Centro.

O bastonário reforça que nem todos os problemas registados no início da pandemia foram corrigidos. Aponta “uma grande escassez de equipamentos de protecção individual” e falta de informação clara sobre os materiais a usar e quando. “Isso traduziu-se naturalmente num número de infecções entre médicos superior ao que poderíamos ter tido. Não podemos correr o risco de não proteger a vida de quem cuida da vida dos doentes”, afirma Miguel Guimarães, em comunicado.

Revisão das estratégias de testagem

Na conferência de imprensa desta segunda-feira, o secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales admitiu fazer uma revisão das estratégias de testagem. “Em função deste dinamismo do surto estamos numa fase em que também temos que ter a humildade democrática de fazer uma revisão sobre, também, as próprias estratégias de testagem”, afirmou o governante, comentando os dados de um inquérito da Ordem dos Médicos.

António Sales lembrou, contudo, que as instituições de saúde têm que respeitar a orientação número 13 da DGS sobre a testagem aos profissionais de saúde. “Este é um surto dinâmico, aquilo que em nos encontrávamos em Março e Abril não é aquilo em que nos encontramos em Maio, portanto, nós temos que nos ir ajustando ao próprio dinamismo desse surto”, sublinhou.

Segundo o secretário de Estado da Saúde, têm estado a fazer-se cada vez mais testes. “Temos em testes acumulados mais de 650 mil testes, testamos por milhão de habitantes mais de 60 mil pessoas, e, portanto, há um reforço cada vez maior na nossa capacidade de testagem”, salientou.

António Sales agradeceu ainda à Ordem dos Médicos e aos profissionais de saúde “todos os contributos que possam dar para melhorar” a “capacidade de resposta em todas as suas vertentes”.

Sugerir correcção