Perfilados de medo

O medo, que não toldou o enorme grupo de portugueses que manteve o país a funcionar normalmente enquanto a outra parte se confinava, vai ser assassino para a economia.

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LUSA/TIAGO PETINGA
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Os números em Portugal da evolução da covid-19 no pós-confinamento podem ser “encorajadores”, como diz o Governo. A progressão de novos infectados mantém-se baixa, a possibilidade de cada novo “positivo” infectar outro, também. Mas o prolongado confinamento exacerbou aquilo que passou a ser, agora, o inimigo número um do regresso a qualquer “novo normal” e da essencial retoma económica: o medo paralisante.

O confinamento foi fácil de instituir porque os portugueses estavam genuinamente aterrorizados. Com uma ou outra excepção, não fizeram como os ingleses, que mal viam uma nesga de sol corriam a encher parques sem qualquer distanciamento social. Os britânicos têm talvez a pior taxa da Europa em número de mortos, e o medo português protegeu-nos. Continua a proteger-nos. Vale a pena lembrar que, antes de existir estado de emergência e de o Governo decretar o confinamento, todos os portugueses que podiam já se tinham autoconfinado. Na verdade, ninguém precisou de ordens.

O problema do medo é que é irracional e paralisante, e a sua velocidade de contágio é muito superior à do vírus. Percebe-se que António Costa, ao ver o PIB contrair-se à volta de 7%, ​ venha para o Chiado apelar a que as pessoas façam compras. Fazer compras é neste momento um desígnio nacional — mas como o fazer se os portugueses se mantêm em modo pânico, com todos os que podem a resistir a sair dos seus casulos particulares? O primeiro-ministro pode bem fazer incursões diárias aos centros de várias cidades portuguesas a apelar à reanimação do comércio local que vai deparar com um monstro que se revelará de mais difícil combate do que a covid-19 — esse medo que transfigurou os nossos hábitos e acabou a transfigurar-nos de um modo radical. Agora sabemos que sabemos confinar-nos; ainda não sabemos que podemos viver normalmente.

O estudo da Universidade Católica que publicamos na edição de hoje mostra de uma forma crua como esse medo é, ele, afinal, “o novo normal”. A ideia de que a esmagadora maioria dos portugueses não tenciona passar as férias fora de casa é um golpe no turismo — sendo que o turismo interno era agora a esperança para que a indústria decisiva não fosse por água abaixo.

O estudo de opinião faz sentido se atentarmos em dois outros dados: os portugueses acham mais provável apanhar o vírus do que perder o emprego — apesar de a crise económica estar aí. E, ao contrário do previsto, não sentiram quaisquer consequências psicológicas do confinamento: nem depressão, nem tristeza. Tudo isto combinado é explosivo para qualquer retorno à normalidade. E esse medo, que não toldou o enorme grupo de portugueses que manteve o país a funcionar normalmente enquanto a outra parte se confinava, vai ser assassino para a economia.

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