The Great: Catarina, a Grande em modo A Favorita

A nova série cómica do Hulu, que se estreia por cá via HBO Portugal, tem Elle Fanning no papel da imperatriz russa. E um enorme desrespeito saudável pela História.

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Elle Fanning e Nicholas Hoult como Catarina II e Pedro III da Rússia em The Great DR

Catarina II governou a Rússia entre 1762 e 1796. Os episódios do seu reinado já foram, no ano passado, alvo de uma minissérie dramática da HBO, Catarina, a Grande, em que Helen Mirren interpretava a monarca, dando corpo a uma produção feita com seriedade e rigorThe Great, a nova minissérie cómica do Hulu, cujos dez episódios chegam este sábado, um dia após a estreia nos Estados Unidos, à HBO Portugal, tem uma abordagem completamente oposta.

A própria série avisa: a história que conta, centrada nos primeiros tempos de Catarina na Rússia, vinda da Prússia para casar com Pedro III, que viria a depor num golpe de Estado, é apenas “ocasionalmente verdade”. A protagonista surge como uma idealista embevecida pelos valores do Iluminismo, uma visão do mundo que rapidamente se dissipa quando é confrontada com a realidade de uma Rússia em que as mulheres mal são consideradas seres humanos.

Catarina quer começar uma escola para mulheres, mas esses planos são imediatamente rejeitados, já que ao sexo feminino compete servir e mais nada. Esses “primeiros tempos”, antes do golpe, duraram quase 20 anos na vida real, correspondentes ao período em que Pedro ainda não era imperador. Só seis meses depois de ter sido coroado é que chega o golpe. São pormenores que a série ignora deliberadamente, mas não são erros históricos, antes liberdades ao serviço da ficção.

A série assenta em duas grandes interpretações, a de Elle Fanning, no papel da imperatriz, e a de Nicholas Hoult na pele do Pedro III petulante, mimado e abusivo com quem ela casa, alguém que guarda o corpo morto da mãe numa vitrina. 

The Great é uma criação de Tony McNamara, adaptada de uma peça que o próprio argumentista e dramaturgo australiano escreveu em 2008. É uma comédia, e tem bastante piada, mas os episódios duram quase uma hora, o que pode tornar-se algo cansativo – há poucas comédias televisivas que justifiquem episódios de 40-60 minutos. 

McNamara foi, no ano passado, nomeado para um Óscar como co-autor do argumento de A Favorita, de Yorgos Lanthimos. Além do argumentista, o filme partilha com a série Nicholas Hoult (era o Robert Harley de A Favorita), além de uma abordagem cómica e exagerada, recheada de cinismo e crueldade, com preocupações actuais projectadas numa produção de época e vontade de mostrar os podres que se escondem atrás de uma aparência de sofisticação europeia. É um tom que tem o seu quê de O Contrato, o filme de 1982 de Peter Greenaway (sem os enquadramentos imaculados do realizador britânico).

Além de Fanning e Hoult, o elenco inclui Sebastian De Souza, Sacha Dhawan Bayo Gbadamosi, Phoebe Fox, Danusia Samai, Charity Wakefield ou Belinda Bromilow. O casting não privilegiou actores com aparência russa. E, tal como em A Morte de Estaline, de Armando Iannucci, não há quaisquer tentativas de imitação de sotaques.

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