Pandemia corta 8,2% ao rendimento do trabalho das famílias

Famílias perdem rendimento e mais empresas entram em situação de défice de liquidez, mas simulações do Banco de Portugal mostram também o efeito mitigador das medidas entretanto adoptadas

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ADRIANO MIRANDA

Uma perda do rendimento do trabalho de 8,2% é um dos impactos que a crise económica trazida pela pandemia trará para as famílias portuguesas, calcula o Banco de Portugal, que antecipa, mesmo num cenário em que as medidas tomadas pelo Governo mitigam os efeitos negativos, ainda um aumento do número de empresas a sofrerem com falta de liquidez financeira.

No boletim económico publicado esta quarta-feira, era suposto o Banco de Portugal apresentar apenas uma análise do que aconteceu à economia portuguesa em 2019.

No entanto, tendo em conta o autêntico terramoto trazido à economia pelo novo coronavírus e pelas medidas de confinamento adoptadas para o controlar, os responsáveis pelo banco central acrescentaram ao documento várias simulações sobre aquilo que pode acontecer às famílias e às empresas durante este ano por causa da pandemia.

Um dos efeitos é a redução do rendimento das famílias. Na simulação realizada, o Banco de Portugal começa por estimar, para cada um dos 38 sectores de actividade, qual será o choque negativo na actividade: por exemplo, no alojamento e restauração, o pressuposto assumido é que as quebras nas vendas durante o período de confinamento serão de 70%. Na construção bem menos: 27%.

Com base nestes números, o banco assume que esta é também a probabilidade de um trabalhador desse sector sofrer perdas no seu rendimento, por exemplo, com a passagem para o regime de layoff nos casos em que seja possível recorrer a esse instrumento.

No total, o número a que o Banco de Portugal chega é a uma perda do rendimento de trabalho de 8,2% para as famílias portuguesas. Essa perda é mais acentuada para os trabalhadores que se encontram nos dois extremos dos escalões de rendimento, os mais ricos e os mais pobres.

Para os 10% com maior rendimento, a perda estimada é de 11,1%. Este valor mais alto do que a média é explicado pelo facto de “o rendimento do layoff e do apoio aos trabalhadores independentes estar limitado a um valor máximo”.

Já para os 20% com menor rendimento, a perda estimada é de 8,6%, também acima da média, algo que acontece porque estes trabalhadores “estão relativamente concentrados em sectores mais afectados pela pandemia ou em segmentos que não beneficiam das medidas de apoio ao rendimento”.

Sem impacto para alguns

O Banco de Portugal calcula ainda qual o efeito no rendimento disponível total das famílias, que inclui outras fontes de rendimento para além do trabalho, como as pensões ou as rendas de imóveis. Neste caso, contudo, assumiu na simulação que estes rendimentos não provenientes do trabalho não sofrem alterações com a pandemia (algo que pode ser totalmente verdade no caso das pensões, mas que não corresponde inteiramente à realidade no caso das rendas imobiliárias, por exemplo).

Assim, sem surpresa, aquilo que se verifica é que a quebra estimada no rendimento disponível das famílias é mais moderada do que a calculada unicamente para os rendimentos do trabalho: 5,3%.

Isto é particularmente evidente no caso das famílias com rendimentos mais baixos, onde as pensões de reforma têm um peso muito alto como fonte de rendimento. Neste caso, a perda de rendimento disponível estimada é de apenas 2,4%.

Com base nestas simulações, o banco assinala ainda que “a pandemia não tem qualquer impacto no rendimento para uma percentagem considerável de famílias”. “É principalmente o caso das famílias que não têm rendimentos do trabalho e daquelas em que todos membros trabalham em sectores não afectados pela pandemia, que representam cerca de 50% do total de famílias”, afirma o relatório.

O Banco de Portugal conclui também que as medidas adoptadas ao longo das últimas semanas para para além do layoff  – nomeadamente as moratórias da renda ou da prestação bancária – podem mitigar de forma significativa a quebra dos rendimentos mensais de muitos portugueses.

Usando um outro indicador – o valor médio do rendimento deduzido de despesas – o banco central diz que em vez de uma quebra de 14% quando se consideram apenas as medidas de apoio ao rendimento, a quebra pode ser de apenas 8% quando se considera também a possibilidade de recurso às moratórias. Neste caso, o impacto positivo das medidas é particularmente acentuado nas famílias com rendimentos mais baixos.

Layoff minimiza problema de liquidez das empresas

Se no caso das famílias as simulações feitas pelo Banco de Portugal dizem respeito ao rendimento, no caso das empresas aquilo que é feito é uma análise à liquidez que estas conseguem ter no actual cenário de crise, o indicador que permite avaliar se serão capazes de sobreviver a este primeiro impacto da pandemia.

Utilizando as bases de dados existentes sobre a empresas que existem em Portugal, o banco central viu qual o nível de liquidez financeira de que dispunham à partida para esta crise e verificou que receitas, despesas variáveis e despesas fixas poderiam esperar ao longo destes meses. O choque assumido nas vendas por cada empresa varia de acordo com o sector a que pertence e de acordo com os dias que demora o confinamento.

Num cenário em que se assume uma duração de 40 dias para o choque na actividade, o Banco de Portugal diz que 17% das empresas sentiriam um défice de liquidez, ficando incapazes de fazer face aos seus compromissos, um valor que se tem de comparar com os cerca de 11% que aconteceriam mesmo sem a pandemia (é normal algumas empresas enfrentarem situações deste tipo mesmo sem crise).

Depois, calcula o Banco de Portugal, se se levar em conta a redução de custos fixos de que podem beneficiar as empresas por causa da medida do layoff simplificado (que o Banco de Portugal estima poder vir a ser usado por 135 mil empresas e 1,2 milhões de trabalhadores), o número de empresas com défice de liquidez diminui para 12%, apenas ligeiramente acima do cenário sem pandemia.

Estas empresas têm nos seus quadros 186 mil trabalhadores, mais 69 mil do que no cenário em que um choque não teria ocorrido.

Claro que há sectores mais afectados do que outros. O relatório destaca que, sem considerar o layoff, o sector com maior percentagem de empresas com défice de liquidez é o do “alojamento, restauração e similares”, ascendendo a 31% das empresas, o que fica 12 pontos percentuais acima do cenário sem pandemia. Com o apoio do layoff, este número, contudo baixa para 19%.

Os sectores “comércio” e “indústrias transformadoras” registam 16% das empresas com défice de liquidez, o que representa um acréscimo face ao cenário sem pandemia de cinco e sete pontos percentuais, respectivamente. Com o layoff estes números baixam para 12% e 9%.

Quantos mais forem os dias em que o choque persiste, maior a percentagem de empresas que acaba por enfrentar dificuldades ao nível da liquidez. Ainda assim, o banco calcula que, com o recurso ao apoio do layoff,  56% das empresas nunca chega a uma situação de défice de liquidez, seja qual for a duração do choque. E mais, os cálculos feitos, não levam em conta a possibilidade das empresas recorrerem às novas linhas de crédito criadas durante a crise.

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