Investigadores criticam FCT por recusar adiar candidaturas a financiamento científico

Prazo do concurso de bolsas de doutoramento termina esta terça-feira e o de projectos de investigação na quinta-feira. Fenprof e ABIC dizem que é ilegal.

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Miguel Manso

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) não vai dar mais tempo aos cientistas e centros de investigação para apresentarem as suas candidaturas às linhas de financiamento deste ano. Apesar dos pedidos feitos nas últimas semanas para que houvesse um adiamento, tendo em conta os constrangimentos provocados no sector pela pandemia de covid-19, o prazo do concurso de bolsas de doutoramento termina esta terça-feira e o de projectos de investigação dois dias depois.

No dia 13 de Março, numa altura em que estavam a ser anunciadas, pelo Governo e pelas instituições de ensino superior, as primeiras medidas de contenção do novo coronavírus, a FCT anunciou o adiamento, por cerca de um mês, do prazo das candidaturas aos dois concursos, que estavam inicialmente agendados para o final daquele mês. Os cientistas pediam agora um novo alargamento das datas, mas, num comunicado publicado no seu site na última sexta-feira, a FCT anuncia que “decidiu manter as datas de encerramento” dos dois concursos.

No caso do concurso para Bolsas de Doutoramento, que são apoios individuais para jovens investigadores em início de carreira, isso acontece esta terça-feira. Para os Projectos de Investigação e Desenvolvimento em todas as áreas científicas, que são apresentados pelos centros de investigação ou laboratórios, o prazo é a próxima quinta-feira, 30 de Abril.

“Importa agora retomar as condições de normalidade no cumprimento da política científica e garantir que o sistema de financiamento à ciência mantém a regularidade temporal e a previsibilidade que a própria comunidade científica vem exigindo”, justifica a fundação pública, naquela nota. Só com estes prazos é possível “não pôr em causa a conclusão dos processos de avaliação neste ano”, acrescenta ainda a FCT.

Ao PÚBLICO, fonte da fundação pública sublinha a mesma ideia e acrescenta que o concurso de projectos foi aberto em finais de Janeiro e estava anunciado desde 29 de Novembro, “o que equivale a um período de cinco meses para preparação das candidaturas até ao seu fecho”.

A decisão não caiu bem na comunidade científica. A FCT “não pode exigir aos investigadores que apresentem as candidaturas com normalidade”, quando ela própria “continua a não cumprir prazos”, critica a presidente da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), Bárbara Carvalho, lembrando, por exemplo, que ainda há contratos do Concurso de Estímulo ao Emprego Científico Individual de 2018 – que só foi aberto em Janeiro do ano seguinte – que não ainda foram assinados em pleno segundo trimestre de 2020.

Por causa da decisão de não adiamento dos prazos dos concursos, o Sindicato Nacional do Ensino Superior, lançou uma petição online – que tinha mais de 1800 subscritores ao final da tarde desta segunda-feira – onde pede o alargamento do prazo em “pelo menos três semanas a contar do levantamento do estado de emergência”, considerando “inaceitável que a FCT não tenha em consideração” as dificuldades de investigadores e docentes universitários.

Num comunicado conjunto, a ABIC e a Federação Nacional de Professores (Fenprof) consideram mesmo ilegal a decisão da FCT, tendo em conta que a Lei n.º 1-A/2020, com a qual o Governo estabeleceu as medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação provocada pela covid-19, “determina a suspensão dos procedimentos administrativos no que respeita à prática de actos por particulares”, o que “obviamente determina a suspensão dos prazos para a apresentação de candidaturas no âmbito dos concursos”, defendem.

As duas entidades lembram os constrangimentos provocados pelas medidas de contenção da covid-19 na vida dos investigadores, dado o encerramento das instituições de ensino superior e de outros serviços. Há muitos investigadores “impedidos de obter documentos oficiais necessários às candidaturas”, dizem a ABIC e a Fenprof, elencando ainda a dificuldade de acesso a documentação e a outros materiais, as dificuldades de adaptação ao trabalho académico e científico à distância, e as limitações criadas pelo apoio a filhos e outros familiares.

“Devem também ser considerados os investigadores que estão envolvidos directamente em trabalhos relacionados com a pandemia, que, nas actuais condições, vêem as suas possibilidades de candidatura a estes concursos extremamente reduzidas”, sublinham as duas entidades no mesmo comunicado.

Nos últimos dias, os investigadores têm-se também queixado de que os próprios serviços da FCT não lhes estão a dar respostas, tanto no atendimento telefónico, como por correio electrónico, conta a presidente da ABIC, Bárbara Carvalho: “As coisas estão todas a funcionar dentro do possível nesta fase. Mas, neste contexto, o possível não é suficiente.” A FCT reconhece que o atendimento telefónico “foi suspenso após ter sido decretado o estado de emergência”. De então para cá, “já foram respondidos mais de 2000 emails, submetidos por candidatos e os seus orientadores”.

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