O Acordo Ortográfico de 1990: um pouco mais de chá, sff

Vital Moreira considera que não estão reunidas as condições para “um debate intelectual decente”. Infelizmente, concordo. De facto, enquanto o ex-eurodeputado continuar a não dominar as regras do AO90, não há condições. Com muita pena minha.

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Sam Shepard

Agradeço a Vital Moreira a razão que me dá na sua Causa Nossa (CN), com a reacção ao meu artigo Afecções e infecções ortográficas (PÚBLICO, 21/4/2020). Efectivamente, continuo sentado à espera: dois parágrafos e uma adenda e nem uma referência para amostra, apenas e só quatro acusações pessoais. Apesar de tudo, esperava do ex-eurodeputado uma resposta à acusação muito concreta por mim já duas vezes feita: pouco rigor na indicação à Comissão Europeia da data da alegada entrada em vigor do AO90 em Portugal. Quanto a isso, batatas. Já agora, não devolvo ao ex-eurodeputado a deselegância com que me brindou, adrede omitindo o meu nome no seu texto.

Vital Moreira faz quatro acusações: (1) não respondo a qualquer dos argumentos aduzidos sobre as divergências ortográficas remanescentes entre português europeu e português do Brasil depois do AO90; (2) enveredo por “um tipo de polémica pouco recomendável”, porque me limito a explorar um lêem que o ex-eurodeputado grafou, em vez de *leem, como mandam as regras do AO90; (3) sou intelectualmente desonesto, por não ter verificado a correcção feita pelo antigo eurodeputado ao seu texto antes de eu publicar o meu artigo; e (4) ataco pessoalmente os meus adversários.

Comecemos pelas quarta e terceira acusações. Na quarta acusação, Vital Moreira esconde expressamente a incompetência por mim denunciada com o choradinho do “ataque pessoal”. Não aceito nem admito esta acusação. Não lhe fiz qualquer ataque pessoal. Acuso o ex-eurodeputado de ser incompetente na adopção do AO90, utilizando a mesma medida do professor catedrático jubilado quando atribuía nota fraca a alunos seus por pouco estudo e fraco desempenho. Ora, é exactamente disso que aqui se trata: Vital Moreira não estudou o AO90, limita-se a falar dele, repercutindo-se isso num fraco desempenho. É só isso e nada mais do que isso.

A terceira acusação é a mais grave. No momento em que enviei o meu artigo para publicação, a grafia correcta (pré-AO90) lêem ainda se encontrava no texto de Vital Moreira. Aliás, ao enviar o meu texto para publicação, enviei igualmente imagens do texto do ex-eurodeputado captadas nesse preciso momento, para verificarem no PÚBLICO a exactidão das minhas acusações aquando do envio. A alteração cosmética de Vital Moreira é de facto posterior e não anterior ao envio do meu texto. Agradeço ao antigo eurodeputado que se retracte.

Passando à segunda acusação, intimamente ligada à terceira. Não é verdade. Não me limito a explorar um lêem em vez de *leem. Aquilo que fiz, ou seja, aquilo que faço é acusar Vital Moreira de não conhecer as regras do AO90, mas de isso o não inibir de emitir opiniões aparentemente técnicas sobre as bases programáticas a adoptar na ortografia portuguesa europeia. E este problema do ex-eurodeputado não se resolve com operações superficiais, como a da substituição de lêem por *leem. O problema resolve-se quando o ex-eurodeputado aprender as 21 bases do AO90. Por exemplo, dois dias depois deste lêem, no dia 19 de Abril de 2020, no texto Pandemia (7): O 25 de Abril é de todos!, Vital Moreira grafou vêem em vez de *veem: “não vêem bem que a data que deveria ser de todos”.

Portanto, repito neste momento a acusação: acuso Vital Moreira de ter escrito vêem, sim, mas estou principalmente a acusá-lo de nos querer dar música, apesar de não saber tocar rabecão. Como se vê, a terceira acusação do ex-eurodeputado, mesmo se fosse verdadeira (e repito que não é), não faz qualquer sentido: apesar de leem no lugar do lêem, o vêem mantém-se no CN, porque Vital Moreira não aprendeu a base IX, 7.º do AO90.

Para terminar o rol, se Vital Moreira tivesse lido o meu texto, não teria feito a primeira acusação. Se o ex-eurodeputado quiser ler aquilo que o meu artigo diz, em vez de ler aquilo que quer fazer crer que ele diz, se tiver o trabalho de verificar as referências que indico sobre o valor grafémico das consoantes cê e pê e a inadequação de um código ortográfico para servir de simples vector aos sons da fala, perceberá que lhe respondi tintim por tintim e sem ocupar muito espaço.

Vital Moreira considera que não estão reunidas as condições para “um debate intelectual decente”. Infelizmente, concordo. De facto, enquanto o ex-eurodeputado continuar a não dominar as regras do AO90, não há condições. Com muita pena minha.

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