Liga internacional quer ser um porto seguro entre águas agitadas

Prova de clubes que tem chocado com a FINA decidiu oferecer uma bolsa de preparação olímpica aos 320 atletas participantes. Desafiante está a ser encontrar um palco adequado para a edição deste ano.

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LUSA/ANTONIO BAT

Mesmo para um nadador de topo, o mais comum é que as contas ao fim do mês sejam pagas com o dinheiro das bolsas de apoio (olímpicas ou não), dos prémios arrecadados nas provas e dos contratos com patrocinadores. Foi por isso que atletas do calibre de Caeleb Dressel, Katinka Hosszu ou Georgia Davies se mostraram tão agradavelmente surpreendidos com o anúncio da organização da International Swimming League (ISL, Liga Internacional de Natação) de lhes atribuir um valor mensal para se prepararem para os Jogos de Tóquio. Não será propriamente uma acção de cortesia, mas antes um investimento feito pelos responsáveis por um evento que é cada vez menos visto como uma excentricidade dos desportos aquáticos.

O mundo da natação tem vivido dias agitados. Em 2018, abriu-se uma frente de batalha entre a organização da ISL e a federação internacional (FINA), que se recusava a reconhecer a prova e rejeitava incluí-la no calendário anual. A tensão esbateu-se ligeiramente entretanto, com a competição a ter a edição inaugural no final do ano passado e o organismo regulador a reconhecer recordes mundiais que viessem a ser estabelecidos em algumas das etapas. 

Agora, a questão mais candente é a da agenda competitiva, porquanto o adiamento dos Jogos Olímpicos obrigará a redefinir as datas dos próximos Mundiais, inicialmente previstos para o final de Julho de 2021. O tema também não tem sido pacífico e este clima de incerteza tem atrapalhado a preparação dos atletas, algo que se agravou com a actual pandemia de covid-19.

“Este programa é uma óptima iniciativa e é por isso que estou tão satisfeita, até porque alguns dos nadadores poderiam não ter financiamento para o próximo ano, já que vai ser duro prepararmo-nos durante mais um ano”, avalia Katinka Hosszu, detentora de três medalhas olímpicas alcançadas nos Jogos do Rio, em 2016. “A época da ISL também terá de adaptar-se a esta situação e fico feliz com este programa de solidariedade”.

A húngara está muito longe de ser uma nadadora dependente deste apoio para manter uma época sem sobressaltos, até porque o valor mensal ronda os 1500 dólares por atleta a ser pago entre Setembro próximo e Julho seguinte, mas a segurança que decorre desta aposta será importante para muitos dos 320 nadadores contemplados. A este valor, porém, há que acrescentar 11 milhões de dólares de custos logísticos, de organização, bónus e prémios, o que atira o investimento global da ISL para perto dos 20 milhões.  

Sendo a natação uma das grandes atracções dos Jogos e um produto televisivo com tremenda procura, a rampa de lançamento para Tóquio será também (como é natural) uma fonte de proveitos considerável para os organizadores da ISL. No horizonte, e dando seguimento à edição do ano passado, está uma concentração de cinco semanas de todos os atletas, que se treinarão e competirão numa série de eventos que estão apontados para a Austrália — e provavelmente à porta fechada — entre 14 de Outubro e 17 de Novembro. Isto se, até lá, o Governo australiano desbloquear os voos internacionais, algo que não é, de todo, um dado adquirido.

Para os menos familiarizados com a ISL, aqui fica um breve resumo. Ao contrário do formato das restantes provas de natação, é um evento de clubes, que coloca frente a frente cinco equipas da conferência americana (quatro dos EUA e uma do Canadá) e outras cinco da Europa e Ásia (quatro europeias e uma japonesa). Todas elas podem contratar atletas de outras nacionalidades, têm um director e um treinador, e competem inicialmente num conjunto de provas (foram 38 em 2019), sempre em piscina curta, divididas por cidades diferentes (neste ano, por questões de saúde pública e para evitar viagens desnecessárias, deverá optar-se por um palco único). As quatro mais pontuadas desta primeira fase, defrontam-se numa grande final.

Olhada com desconfiança pela FINA, a verdade é que a ISL 2019, patrocinada pelo empresário ucraniano Konstantin Grigorishin, deixou boas sensações entre os atletas. “Adoraria competir na ISL outra vez, foi fantástico no ano passado, mas ainda não posso dar 100% de garantias de que vou estar presente porque todos nós vivemos dias de grande incerteza”, resumiu o norte-americano Caeleb Dressel, detentor de um título olímpico e de outras 13 medalhas de ouro em Campeonatos do Mundo.

A incerteza de que fala Dressel é a incerteza a que se refere também Grigorishin, que admite severas restrições na realização do evento: “Se calhar, vamos ter de organizar a ISL num formato televisivo que não contemple espectadores”, antecipa, assumindo que a Austrália é a primeira escolha, mas que a Hungria, o Japão e os EUA também são hipóteses.

Com os Campeonatos Europeus também suspensos (deveriam realizar-se no próximo mês, em Budapeste), este programa solidário a reboque da ISL acaba por ser uma pedrada no charco da indefinição. “É bom termos algo de positivo a que nos agarrarmos neste momento tão negativo”, começa por dizer Georgia Davies, antes de pôr o dedo na ferida. “Há tantas empresas a serem negativamente afectadas pelo coronavírus, muitos vão sofrer financeiramente e isso também se aplica a muitas bolsas desportivas. Este apoio da ISL é, por isso, realmente valioso”, conclui a britânica, que também conta no currículo com medalhas em Europeus e Mundiais.

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