Presidente de El Salvador intensifica conflito com tribunais e oposição

Tribunal Constitucional e Parlamento travam restrições de direitos e detenções feitas pelas forças de segurança, no âmbito dos planos de contenção da pandemia. Bukele mantém desafio.

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Manifestante segura cartaz crítico do Presidente, num protesto em São Salvador, em Fevereiro Reuters/JOSE CABEZAS
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Nayib Bukele, Presidente de El Salvador Reuters/JOSE CABEZAS

O duradouro braço-de-ferro entre o Presidente de El Salvador e os poderes judicial e legislativo intensificou-se nos últimos dias, à boleia do novo coronavírus. Tribunal Constitucional e Parlamento intervieram para travar a onda de detenções e de restrições de direitos dos salvadorenhos, liderada pelas forças de segurança, em nome dos planos de contenção do Governo. Mas Nayib Bukele recusa-se a acatar a decisão judicial e prometeu vetar a legislação concebida para a implementar.

“O novo decreto que a FMLN e a ARENA pretenderam aprovar durante a madrugada de hoje, que nos retiraria capacidades para lutarmos contra a pandemia, será vetado”, anunciou esta sexta-feira, através de uma série de mensagens publicadas no Twitter e no Facebook, onde também revelou que só aprovou a lei que estende o Estado de emergência.

Em causa estava uma proposta legislativa aprovada pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (de esquerda e maioritária no Parlamento), pela Aliança Republicana Nacionalista e pelo Partido Democrata-Cristão (ambos conservadores), que pretendia proteger e reforçar os direitos dos cidadãos durante o estado de emergência e que o Presidente e líder da Grande Aliança pela Unidade Nacional (também de direita) catalogou como “infâmia”.

A legislação da oposição veio no seguimento da decisão tomada, na quarta-feira, pelo Tribunal Constitucional, que concluía que o Governo não tinha competências para restringir a aplicação da Constituição e que só a Assembleia Legislativa o podia fazer, no âmbito do decreto do Estado de emergência.

Mas Bukele recusou cumprir. “Não entendo o desejo mórbido que têm de que tanta da nossa gente morra, mas jurei que cumpriria e faria cumprir a Constituição. Tal como nunca acataria uma resolução que me ordenasse que matasse salvadorenhos, também não posso acatar uma resolução que me ordene que os deixe morrer”, justificou, nas redes sociais.

Detenções “arbitrárias”

El Salvador tem mais de 170 casos de infecção por covid-19 e registou sete mortos, vítimas da doença. Logo que foram identificados os primeiros casos, em meados de Março, o Governo de Bukele decretou uma série de medidas restritivas, bastante mais radicais que as dos vizinhos da América Central.

Segundo o El País, já foram detidas mais de 4200 pessoas por terem violado as ordens de confinamento, uma vez que a polícia recebeu ordens para prender qualquer cidadão que esteja na rua sem autorização. 

Num país com 70% da população dependente da economia informal, não é difícil encontrar gente na rua. Por isso mesmo, os centros de detenção estão lotados, situação que faz questionar se as condições insalubres em que se encontram os detidos não contribuem mais para acelerar a propagação do coronavírus – um homem detido morreu no início de Abril, nestas condições.

O número elevado de detenções levou a Human Rights Watch a acusar a polícia salvadorenha de “arbitrariedade e excesso de força”, alimentadas pelas intervenções públicas de Bukele.

“As declarações do Presidente Nayib Bukele incentivaram o uso excessivo da força e a imposição das medidas draconianas do seu Governo. Os seus comentários no Twitter e discursos televisivos à nação encorajaram a aplicação abusiva da autoridade e contribuíram para uma resposta policial desproporcionada”, denunciou a organização de direitos humanos, num comunicado.

O Presidente anti-sistema – eleito há um ano com promessas de erradicar a criminalidade elevadíssima, combater a corrupção e libertar o país das mãos do establishment político de El Salvador – tem acumulado conflitos com os diferentes poderes do Estado para pôr em prática a sua agenda, mas é constantemente acusado pela oposição e por organizações de direitos humanos de extravasar os limites da Constituição.

Ainda assim, o chefe de Estado, de apenas 38 anos, tem uma taxa de aprovação recorde. Em Dezembro do ano passado andava próxima dos 90%.

Em Fevereiro, face à indisponibilidade da Assembleia Legislativa para aprovar o seu plano de segurança, Bukele chegou a convocar os deputados para uma sessão parlamentar extraordinária, apenas para interromper os trabalhos, fazendo-se acompanhar por soldados munidos com armas automáticas e vestidos com coletes à prova de bala.

“Parece-me muito claro quem é que detém o controlo da situação”, atirou aos deputados, nessa ocasião.

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