FMI: o Grande Confinamento será a pior recessão desde a Grande Depressão

Fundo prevê queda de 3% no PIB mundial, com a economia da zona euro a cair 7,5%. É a maior quebra em 90 anos, mas o FMI alerta que há “riscos severos de um resultado pior”. Em Portugal, o PIB pode afundar-se 8%.

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Kristalina Georgieva, directora executiva do FMI LUSA/ERIK S. LESSER

Depois da Grande Depressão nos anos 30 do século passado e da Grande Recessão que resultou da crise financeira de 2008, a crise económica trazida pelo novo coronavírus já está a ser também baptizada. A economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, chama-lhe agora o Grande Confinamento, num relatório sobre o estado da economia mundial, publicado nesta terça-feira, em que a entidade com sede em Washington revê de forma dramática as projecções de crescimento para todos os países, antecipando que o globo registe este ano a maior contracção na economia dos últimos 90 anos.

Nas suas previsões de Primavera — as primeiras desde que foi declarada a pandemia —, o FMI aponta para uma contracção da economia mundial de 3% em 2020. É um resultado que compara, por exemplo, com a redução do PIB de 0,1% que se verificou em 2009, no auge da crise financeira internacional de há cerca de uma década.

Normalmente, à escala mundial, basta um crescimento abaixo de 3% para se começar logo a falar de uma recessão. Um cenário de contracção da economia mundial é extremamente raro, sendo quase inédito um recuo da dimensão do agora previsto para 2020.

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“O Grande Confinamento, como lhe poderemos chamar, deverá encolher o crescimento global de forma dramática (...) A magnitude e a velocidade do colapso na actividade são diferentes de qualquer coisa que tenhamos experimentado durante as nossas vidas”, afirma Gita Gopinath, assinalando que estamos perante a “pior recessão desde a Grande Depressão, e muito pior do que a Crise Financeira Internacional”.

Antes do aparecimento da pandemia, o FMI previa que a economia mundial, em mais um ano de expansão relativamente lenta, iria crescer 3,3%, uma ligeira aceleração face aos 2,9% registados em 2019. Agora, as contas ficaram totalmente invertidas, principalmente pelo facto de a contracção das economias se verificar ao mesmo tempo em todo o lado.

Zona euro a cair 7,5%

O FMI diz que se irá registar este ano uma redução do PIB per capita em 170 países e assinala que é a primeira vez que há registo, em simultâneo, de recessões no conjunto dos países avançados e nos países emergentes. Nos países avançados, o PIB vai cair 6,1%, e nos mercados emergentes, habituados a taxas de crescimento elevadas, a perda será de 1%.

Dentro dos países avançados, a zona euro pode voltar, tal como aconteceu em 2009 e nos anos seguintes, a destacar-se pela negativa. O FMI prevê para o conjunto dos 19 países com a moeda única uma contracção de 7,5% (em 2009 foi de 4,5%), um resultado pior do que o antecipado neste momento para os EUA, onde o FMI vê a economia a cair 5,9%.

Itália, com uma recessão prevista de 9,1%, e Espanha, com o PIB a cair 8%, são entre as grandes economias as que mais caem, prejudicadas por terem sido dos países mais atingidos pela pandemia. Há ainda dois outros factores que as penalizam especialmente: um peso significativo do sector do turismo, um dos mais prejudicados pela pandemia, e um nível de endividamento mais elevado, que dificulta a resposta à crise. Estas duas características são partilhadas com outras economias da zona euro de menor dimensão, como é o caso da Grécia, que o FMI vê a cair 10%, e Portugal, com uma contracção do PIB prevista de 8%.

Não se pense contudo que os outros países da zona euro escapam ilesos à crise. Alemanha, França e Holanda deverão registar contracções do PIB em 2020 de 7%, 7,2% e 7,5%, respectivamente.

América do Sul, com uma redução do PIB de 5% (5,3% no Brasil), África Subsariana com uma perda de 1,6% (1,4% em Angola), e Médio Oriente e Ásia Central, com uma diminuição de 2,6%, têm um dos piores registos anuais de que há memória nas suas economias.

E o mesmo acontece na Ásia, apesar de a China, o primeiro país a sentir o impacto do novo coronavírus, ainda conseguir apresentar uma taxa de crescimento positiva, de 1,2%. Este resultado, mesmo assim, fica bastante abaixo do crescimento de 6% que antes era previsto e da variação de 6,1% conseguida em 2019.

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Riscos severos de um resultado pior

Para 2021, diz o FMI, pode ficar marcada uma recuperação. As projecções apresentadas apontam para um crescimento da economia mundial no próximo ano de 5,8%, com os EUA e zona euro a registarem variações no PIB de 4,7% e a China a acelerar para os 9,2%.

Ainda assim, diz o Fundo, a recuperação de 2021 não será suficiente para retomar todo o nível de actividade económica perdida, que se estima poder ser, no total de 2020 e 2021, de cerca de 8,2 biliões de euros, “mais do que as economias da Alemanha e Japão combinadas”.

Os responsáveis do Fundo fazem ainda questão de assinalar que as previsões agora apresentadas têm como pressuposto uma resolução relativamente rápida da crise sanitária, que permita o relaxamento das medidas de confinamento já a partir da segunda metade de 2020.

O problema é que, neste momento, é ainda muito difícil prever com segurança quando é que isso irá de facto acontecer e se não irão ocorrer retrocessos no controlo da pandemia. É por isso que no relatório se alerta que existe “uma incerteza extrema em torno das previsões de crescimento globais”, reconhecendo-se que há “riscos severos de um resultado pior”.

Numa tentativa de antecipar o que poderão ser esses resultados piores, o FMI traça três cenários alternativos.

No primeiro, assume uma manutenção das medidas de contenção em todos os países por um período 50% mais longo do que o previsto no cenário-base, além de um ambiente menos favorável nos mercados financeiros, com subida das taxas de juro da dívida. Só isso faz com que a contracção do PIB prevista para 2020 seja 3 pontos percentuais mais negativa, isto é, a economia mundial cairia 6% este ano.

No segundo cenário, assume-se que ocorrerá um regresso da pandemia em 2021, com uma dimensão dois terços mais forte do que o assumido no cenário-base. Isso faria com que a retoma agora prevista para 2021 fosse colocada em causa, já que se teria de retirar cinco pontos percentuais à taxa de crescimento projectada, passando-a assim para 0,8% (com a Europa, por exemplo, a manter taxas de crescimento negativas).

No terceiro cenário, o pior, o FMI assume não só um período de contenção mais longo em 2020 como a ocorrência de uma recaída em 2021. E aí, o PIB ficaria 8% abaixo do cenário-base no próximo ano.

Os responsáveis do Fundo alertam ainda que o desempenho da economia dependerá em larga medida das respostas à crise que serão dadas pelos Estados, seja por via da política monetária, seja por via da política orçamental. Aqui, o FMI repete o apelo para uma acção decidida de bancos centrais e governos, que permita manter minimamente intacta a estrutura económica dos países.

O relatório assinala os esforços que já têm vindo a ser feitos, mas alerta que, dependendo da forma como evoluir a situação, poderá ser preciso ir mais longe.

Aos países com uma situação orçamental de partida mais frágil, com níveis de dívida elevados, o FMI diz que poderão ser forçados a recorrer a ajuda externa. E especificamente em relação à zona euro, embora não dando o seu apoio explícito a uma mutualização da dívida, o Fundo deixa um recado sobre a forma como se devem evitar problemas como os registados na anterior crise.

“Na zona euro, onde muitos países foram particularmente atingidos pelo vírus, um apoio europeu de dimensão significativa direccionado a estes países deve complementar os seus esforços nacionais, o que ajudaria a manter e garantir as necessidades de financiamento resultantes do choque de grande dimensão, comum e puramente exógeno”, conclui.

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