Guiné-Bissau: os traficantes voltaram, mesmo com mandado internacional

Braima Seide Bá, condenado na semana passada a 16 anos de prisão, regressou a Bissau e reside em casa do novo director da empresa pública de petróleos, com ligações ao narcotráfico. Não é o único que voltou nos últimos tempos.

Foto
À costa da Guiné-Bissau chega, desde 2007, muita droga destinada à Europa Paulo Pimenta

O luso-guineense Braima Seide Bá anda foragido com mandado de captura internacional emitido em Setembro do ano passado. Acusado na Operação Navarra, a maior apreensão de droga da história da Guiné-Bissau (1869 quilos de cocaína), acabou por ser julgado à revelia como cabecilha e condenado, na semana passada, a 16 anos de prisão por tráfico de droga.

Mas se não estava em Bissau na altura do julgamento, em Janeiro, Braima Seide Bá já voltou, entretanto, à Guiné-Bissau e por altura da leitura da sentença até nem estava muito longe do tribunal que o condenou. Segundo o PÚBLICO apurou de uma fonte conhecedora do processo, o traficante tem muitos apoios junto de figuras actualmente no poder e até reside em casa do novo director-geral da Empresa Nacional de Pesquisa e Exploração Petróliferas (EP-Petroguin).

Danielson Francisco Gomes Ié, mais conhecido por Nick, foi nomeado para dirigir a EP-Petroguin a 31 de Março e a nomeação mereceu até uma “Nota de Repúdio” do núcleo no Brasil do Partido da Renovação Social (PRS) – partido que apoia o Governo de facto, nomeado pelo autoproclamado Presidente, Umaro Sissoco Embaló.

“Repudiamos veementemente a nomeação do Sr. Danielson Francisco Gomes Ié”, refere o comunicado do partido fundado pelo falecido antigo Presidente Kumba Ialá, porque “não se pode, assim, admitir que seja nomeado para dirigir tal instituição, património do Estado guineense que representa essencialmente direitos do povo, pessoa que tenha atitudes públicas absolutamente contrárias aos interesses defendidos pela empresa”.

Foto

A indicação de Nick Gomes para o cargo veio do próprio PRS, como a nota dá a entender: “É pouco crível que, exactamente quando um partido como o PRS todo clama por decência, uma decisão dessa importância seja encaminhada dessa forma. Também não é crível que inexistissem outras figuras e quadros técnicos dentro dos renovadores que atendessem plenamente às exigências constitucionais.”

Para estes membros do PRS, a nomeação “enfraquece a imagem” do partido, porque Nick Gomes, como todos parecem saber em Bissau e o Governo de facto finge ignorar, “é um nome conhecido do mundo do crime, estando referenciado pelas autoridades como traficante de droga, assalto à mão armada a bancos e burla”, explica a fonte que conhece bem o sistema judicial guineense.

Criminosos regressaram

Segundo o PÚBLICO apurou, o regresso a Bissau de Seide Bá não é caso único. Um dos últimos voos comerciais, senão mesmo o último, que a TAP efectuou para a capital guineense (excluindo o destinado a repatriar portugueses) antes das fronteiras do país serem encerradas, transportou várias figuras do mundo do crime na Guiné-Bissau.

“Terroristas do Paquistão, da Colômbia, traficantes de droga da Venezuela, chegaram à Guiné, num voo da TAP e imediatamente foram identificados”, acrescenta o especialista. “Braima Seide Bá, agora condenado a 16 anos de prisão, veio num desses voos, penso que no último voo comercial da TAP.”

As duas grandes apreensões de droga de 2019, os referidos 1869 kg na Operação Navarra, em Setembro, e os 789 kg apreendidos em Março na Operação Carapau, podem voltar a ser excepção num país que é visto como narco-Estado desde 2007 – ponto de passagem da droga, no seu caminho entre a produção na América do Sul e o consumo na Europa.

Tanto a directora nacional da Polícia Judiciária (PJ), Filomena Mendes Lopes, como a ministra da Justiça, Ruth Monteiro, responsáveis pelo sucesso das operações contra o narcotráfico, foram afastadas pelo Governo nomeado pelo autoproclamado Presidente, Umaro Sissoco Embaló, que demitiu o Executivo constitucional, que tem apoio da maioria no Parlamento.

Travar investigações

Ao mesmo tempo, duas das figuras do Ministério Público (MP) denunciadas o ano passado pela ministra da Justiça, em conferência de imprensa, como estando a travar as investigações do tráfico de droga na Guiné-Bissau, Mário Iala e Herculano Sá são hoje muito bem vistas pelo Governo de facto.

Mário Iala chegou a ser nomeado pelo primeiro-ministro de facto, Nuno Nabiam, para director da Polícia Judiciária, no entanto, dias depois, o Presidente, Umaro Sissoco Embaló, acabou por recusar o nome e seria a procuradora-adjunta, Teresa Silva, a assumir o cargo.

Mesmo assim, com Iala tendo “grande crédito junto da Procuradoria-geral da República” e Herculano Sá a coordenar a vara-crime do MP, os dois podem controlar todos os processos relacionados com o tráfico de droga.

O jornalista australiano Anthony Lowenstein publicou em Março um livro sobre o tráfico de droga intitulado Pills, Powder, and Smoke (Comprimidos, pó e fumo) onde fala da Guiné-Bissau, um país que décadas de golpes militares e instabilidade militar transformaram num alvo fácil para o florescimento do tráfico de droga.

“Lowenstein visita hotéis onde os únicos clientes são traficantes de droga e remotas aldeias piscatórias onde o tráfico é um segredo às claras e uma fonte de emprego”, escreve a Salon que já leu o livro. “Fala com funcionários da segurança que admitem francamente que quase não têm recursos para combater o tráfico e traça a rota que vai desde aí para a Europa, por vezes transportada por militantes islamistas.”

Sugerir correcção
Ler 2 comentários