Covid-19: Livrarias independentes querem apoios à tesouraria para sobreviver

Recém-criada Rede de Livrarias Independentes (ReLI) enumera e reivindica várias medidas para os livreiros poderem fazer face à crise provocada pela pandemia.

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Livraria Ler Devagar Andreia Gomes Carvalho

A ReLI - Rede de Livrarias Independentes, lançada esta quinta-feira, endereçou uma carta aberta aos órgãos de soberania com um conjunto de propostas para ajudar os livreiros a sobreviver à crise, nomeadamente medidas de apoio à tesouraria e rendas.

Numa altura em que as livrarias enfrentam um grave período de crise, com as portas fechadas por tempo indeterminado, devido às medidas restritivas impostas pelo Governo para mitigar a propagação do coronavírus responsável pela pandemia covid-19, dezenas de livreiros uniram-se e elaboraram um conjunto de reivindicações para ajudar a salvar o sector. Umas são “emergenciais”, de execução imediata, e outras são “estruturais”, para serem aplicadas no termo dos efeitos da pandemia, refere a carta, enviada aos jornalistas.

Entre as medidas mais urgentes preconizadas pela ReLI estão a garantia da extensão às livrarias independentes das medidas governamentais de apoio à tesouraria que forem aprovadas para o comércio em geral. A ideia é assegurar que “a banca não exclui o pequeno comércio das candidaturas às linhas de financiamento”.

Os livreiros apelam também a que as compras institucionais – livros e revistas para as bibliotecas públicas, escolares ou municipais – sejam feitas através de consultas preferenciais às livrarias independentes, “mesmo em situações de encerramento temporário forçado”, de acordo com a sua proximidade e não de acordo com o preço.

A este propósito, destacam que o preço deveria ser o do Preço de Venda ao Público (PVP) dos livros ou fixado num desconto mínimo (máximo de 10 por cento) de modo a facilitar e não impedir a participação dos livreiros independentes nas consultas públicas.

“Todos sabemos que não é possível exigir dos livreiros descontos que são muitas vezes iguais ou superiores aos que as condições comerciais praticadas pelas grandes editoras nos permitem”, salientam.

As rendas e o risco de despejo são outras das principais preocupações deste sector livreiro, pelo que a ReLI pede apoios financeiros a fundo perdido para reforçar a tesouraria ou ao pagamento das rendas, em articulação com as medidas que vierem a ser aprovadas para o comércio em geral, para a restauração e hotelaria, para as micro e pequenas empresas.

Os livreiros recordam que a especulação imobiliária foi a primeira responsável pelo encerramento de muitas livrarias independentes e do comércio de proximidade em geral, pelo que, “nos tempos que virão, esta é uma cautela que os governos e as autarquias têm que assegurar”.

Os livreiros sugerem também que lhes sejam atribuídos “seguros de salários, ou equivalente, de modo a garantir um rendimento mínimo a todos”, enquanto os efeitos da epidemia durarem. “Em caso de layoff ou situação equivalente, os rendimentos mínimos devem contemplar, obrigatoriamente, os sócios-gerentes das micro e pequenas empresas”, já que muitas vezes esses são os únicos trabalhadores efectivos nos estabelecimentos, e a sua sobrevivência depende exclusivamente do exercício dessa actividade.

Outra das reivindicações preconizadas na carta diz respeito ao apoio directo à constituição da Associação ReLI, nomeadamente para construção de um site com venda online e georreferenciação das livrarias aderentes à rede, “o qual constituirá o embrião de uma central de compras e de distribuição”.

Ainda no âmbito das medidas urgentes, os livreiros exigem o cumprimento da Lei do Preço Fixo, mesmo em tempos de emergência, quer por parte de algumas grandes cadeias de livrarias online – “que praticam descontos acima dos permitidos pela lei –, quer pelas próprias editoras – que concorrem com os sites das livrarias através da venda a retalho nos seus próprios sites”.

Questionado sobre a decisão de algumas editoras/distribuidoras adoptarem medidas de protecção aos livreiros, como o adiamento de prazos de pagamentos, José Pinho, da Livraria Ler Devagar, disse à Lusa que “o problema é o adiamento do problema”.

“Como nas rendas, no layoff, nos empréstimos que não forem a fundo perdido, ou noutra área qualquer, todas estas medidas que até parecem simpáticas e solidárias não passam de medidas proporcionadoras de acumulação de dívida contraídas por empresas que provavelmente, não vendendo, nem daqui a dois ou três anos estarão em condições de a amortizar”, afirmou.

A carta aberta elenca ainda uma série de propostas de medidas estruturais, que os livreiros consideram que, a seu tempo, terão obrigatoriamente de ser discutidas, “franca e abertamente”, no sentido de evitar, de vez, “alguns dos procedimentos que impedem as boas práticas da concorrência”. Por um lado, querem que seja facilitada a participação dos livreiros independentes nas feiras do livro e que seja fiscalizada a aplicação de descontos ilegais.

Ainda no mesmo âmbito, exigem a fiscalização da actividade comercial de venda a retalho de livros, através da Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC) e da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), para impedir a prática de descontos pontuais acima do permitido e de promoções de duração superior ao estipulado na Lei do Preço Fixo.

No que respeita ao livro escolar, os livreiros apontam a venda ao público feita directamente pelas editoras de livro escolar e os vouchers do Ministério da Educação “que deveria ter sido uma medida para apoiar a rede livreira e afinal não foi”.

Apelam ainda à instalação de novas livrarias, e das que vierem eventualmente a ser despejadas quando terminar o estado de emergência e de calamidade pública, em edifícios que sejam propriedade do Estado, das autarquias e de fundações ou instituições privadas dependentes do Orçamento do Estado.

A carta aberta foi dirigida aos presidentes da República e da Assembleia da República, ao primeiro-ministro, à ministra da Cultura e aos grupos parlamentares da Assembleia da República, com conhecimento dos presidentes das câmaras de Lisboa e do Porto, da Associação Nacional dos Municípios e da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros.

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